a million parachutes

for us

30 janeiro 2004

:: ampulheta

dias atrás, quando me ligou, pensei que voltaríamos a ser o que éramos. acho que sempre houve esse fio tenso de esperança, de saudade e de dias melhores. já perdi a linha guia pela qual anda a sua vida e você nem sabe como eu tenho contado os meus dias. o nosso tempo passou tal qual as areias de uma ampulheta.

você se afastou e deixou lançou tudo no calabouço das memórias. soam bonitas como peças de museu. você gosta das coisas assim. eu preferia que uma panela fosse a panela em que faríamos muito macarrão, mas vcoê preferiu deixa-lo num cubo de vidro de tão bonita que é. o que eu faço com tanto macarrão, pensei por dias. joguei metade fora, vou comendo a outra metade em outras panelas.

e você me telefona perguntando sobre o nosso tempo quando quer falar sobre panelas. não sou eu quem pode virar a ampulheta.

29 janeiro 2004

:: parachutes emailzine

alguns amigos sentem falta que eu mande diretamente esses textos em seus emails. então resolvi criar um zine semanal com textos, coletâneas, dicas de site, etc e mandar direto nas caixas postais como um "email zine". quem tiver a fim de receber o informativo, manda um email para marcioyonamine@yahoo.com.br ou se inscreve direto na lista amillionparachutes-subscribe@yahoogroups.com

abs

28 janeiro 2004

:: nuvoleta

nuvoleta é um projeto de blog coletivo. a proposta é simples: pegamos um fragmento de finnegans wake do james joyce (na página da nuvoleta está a direita) e usamos como capítulo final da história. o que os participantes do coletivo tem que fazer é apenas postar os capítulos do meio, o miolo. pode-se criar situações, personagens e palavras desde de que inspiradas no fragmento de joyce. quem quiser participar dessa doidera é só mandar um email para mim: marcioyonamine@yahoo.com.br.

26 janeiro 2004

:: isabel

ela fumava do lado de fora de sua loja para que não cheirassem mal seus doces quando seu amor lhe vier buscar.
:: sometimes

às vezes as histórias não são redondas, não são costuradas para dentro. às vezes, uma gaita sai do tom e vira um blues.
:: doc

isso acontece muito mais do que a gente imagina. luisa largou fernando porque apaixonou-se por roberto. não foi da noite para o dia, foi aos poucos como também é aos poucos que o amor pode ser desconstruído. fernando dedicou 3 anos para luisa e ela não fez por menos. alugaram casa, compraram móveis, concordaram sobre a marca de margarina e sabão em pó. compartilharam dívidas, tristezas e programas de tevê. viajaram para sítios e chapadas. tiveram experiências místicas. magoaram-se, reataram. pensavam em felicidade, julgavam-se felizes.

foi então que roberto apareceu. luisa apaixonou-se aos poucos por ele. não era que fernando se ocupasse menos com luisa. mas nem sempre as coisas são eternas. fernando e luisa se separaram muito magoados. fernando nunca aceitou que luisa o deixasse de amar. mesmo nos momentos mais leves, havia mágoa pela falta de correspondência. há no sofrimentos muitos culpados. falaram-se pouco.

fernando casou-se com julia dois anos mais tarde. luisa separou-se de roberto logo depois. quando se cruzavam, evitavam-se até que pararam de se evitar porque não se reconheciam mais. chegaram a estar em bancos próximos no metrô. viram-se mas não se reconheceram. restaram só os móveis na garagem da mãe de luisa. e não houve quem registrasse essa história, só este desconhecido de ambos que não sabe ainda se valeu a pena relatar.

25 janeiro 2004

:: marcela

ela anda por aí com suas tatuagens, cabelos curtos e franjinha fazendo desdém das coisas ruins. tem esse jeito de anjo perdido em poesia on the road. imagina trilhas sonoras para suas cenas mais escandalosas. mas não tem muitas cenas escandalosas. tem vontade de sair correndo, de sair beijando, de ficar abraçando as figuras que fazem o seu sentido. ela ama tanto quanto pode e sofre o tanto quando deixa.

ela anda aí por são paulo e isso me atormenta. é uma personagem que ainda não inventei e já está por aí, completa e complexa. lágrimas, sorrisos e dentes. aprontando a vida e me dando rasteiras poéticas.
:: final de domingo

não há pessoa feliz hoje que me faça exemplos. nenhuma música vai balançar a minha cortina. vou deixar o silêncio penetrar a alma e cicatrizar as feridas que deixo abertas por divertimento. não venha me ver, hoje não estou para ninguém. deixa eu amenizar esse vazio antes de sair ofendendo o mundo e ao deus dará. não me fale das cores, nem das linhas. hoje meu coração é desse tamanhinho, denso e pesado que fica tão difícil carregar. hoje não vou diferenciar a noite do dia, talvez vá sorrir um pouco por educação. vou embora, talvez precise andar. mas guarda sua vigília, porque se amanhã for como hoje, não vou renunciar sua companhia.
:: flor



uma azaléia caiu e ninguém viu. provavelmente porque há muitas outras ainda mais bonitas em outros ramos. é só uma flor caída que não teve o azar de ser levada por um gari. mas deitada ali, ela é única, brilha sua cor original. pode do chão ver a imensidão do céu. vai apreciar a solidão até quando puder. até perceber que a grama é verde e se apaixonar.

24 janeiro 2004

:: vou voltar

a gente sempre acha que o ano será bom quando estamos no começo do ano. deixamo-nos contaminar pela euforia e pelas mensagens habituais dessa época. esse ano, por muitas razões, acreditei mesmo que será. comprei agenda e folhas novas, caneta multicores, fiz anotações de novas formas de organizar minhas anotações. fiz valer essa impressão de que será melhor.

mas há sempre a dúvida. um pouco de medo e insegurança. talvez nada mude realmente e que é somente impressão como muita coisa é em minha vida. já sei que haverá perdas, mas também ganhos. sofrerei com remédios, mas serei senhor dos meus erros, das minhas perguntas, das minhas senhas, das minhas invenções. mas dá um medo...

uma ligação:

- má, to voltando!

e o ano já mudou. a cidade são essas pessoas. o ano são essas pessoas.

23 janeiro 2004



ana,

se pudesse produzir finais de outonos, talvez já pudesse adiar invernos também. sempre soube da inexistência da felicidade plena, mas a gente adia algumas coisas com a esperança de que estejam erradas. eu quase sempre estou.

quando soube que havia melhorado, um pequeno sol adiantou-se a tanta chuva que caiu por aqui. chuva brava e desalmada que alagou mais que ruas e casas. mas a enchurrada que leva tudo também leva a si mesma. e tudo volta ao normal ou pelo menos ao ponto em que podemos deslocar a realidade para que nos faça diferentes. não damos muita atenção aos tempos de bonança, não muita quando estamos serenos e libertos. e não sei nadar.

vou torcendo por você por aqui. acompanho os passos que me envia. a uma certa altura, suas palavras soarão tão familiares - se já não soam - que não será surpresa quando disser que enfim é uma pessoa feliz no sentido mais utópico do termo. aí te contarei como eu faço para finalizar outonos ou apagar estrelas.

22 janeiro 2004

:: a casa invisível

vou lhe trazer chá com gotas de vodka. sente-se sem o peso do compromisso de não ter o que fazer. se o ócio é morada do dêmonio, vamos recebê-lo em nossa casa invisível com cookies e sucos artificiais. coloque os pés sobre a mesa de centro, assista ao mundo somente o necessário para poder também ser mundo. e não se preocupe que eu lavo a louça, você pode cuidar das flores.

o jardim mantêm o mesmo frescor da última vez. sei que não é suficiente para preencher o espaço que carrega em você, mas o torna menos doloroso. as flores não tem sistema nervoso, mas são belas. você ainda é mais bela porque tem a possibilidade da dor. passo um pano úmido para limpar os vidros da janela. adorei sua idéia de deixar mudo a tevê e cantar enquanto espera pela pessoa que grita lá fora.

enquanto isso, evite o isolamento: lá está a concretude das paredes.

:: a cidade de guarda-chuvas

por um momento, tomando o elevador panorâmico, pensei que estava sonhando ao ver lá embaixo um monte de guarda-chuvas se movendo expremidos. iam tomar cafés, pegar metrô, táxis. iam comprar livros ou namorar. era uma cidade de guarda-chuvas, ruidosa com seus abre e fecha. a chuva que caía era oxigênio e o chão molhado era uma nova cor do concreto. no horizonte, vinha um céu de vanilla que anunciava o fim dos dias da civilização do guarda-chuva. mas como bom abrigadores e convivas, eles voltariam.

21 janeiro 2004

:: a lenda do passarinho que cantava chuva

em são paulo não há pássaros ou quase ninguém para ouvi-los. o barulho da cidade quase os esgota. é mais fácil vê-los no discovery channel.

há um pássaro que entendeu essa cidade. por isso só canta na chuva. ele tem um bico poderoso, uma penugem que toma cor na umidade e um canto sincopado e cheio de ruídos.

é um pássaro paulistano. canta na chuva porque a cidade pára e silencia. a chuva age como colchão e trata acusticamente seu canto difícil. assim só os que se arriscam a se molhar como ele podem ouvir.

diz a lenda.
:: sky above warsaw

"oh dear diane, can you see me now?
I am myself like you somehow."
(release _ pearl jam)


dear diane, my eyes are closed and i can´t remember the lines of your face. your hair in my mounth is just a past taste now. i had seen some pictures of you, but i couldn´t regonize. i remember darkness and how i tried to blow up it to see you again. where are you, diane? i can see only your feet... yes, i remember your feet. since i took myself away, you lost in me between faith and dream. but i remember: you didn´t see me ever... dear diane, you never see yourself too.


ana,

são esses dias oscilantes de chuva e sol que afetam o humor. pensei em comprar cremes para as mãos que vão ficando secas e maltratadas. evito tocar meu rosto para não chegar a conclusão que precisará também de cremes. meus cabelos são fáceis, livro-me deles como quem ouve uma música para afugentar a tristeza.

nem sei muito o que dizer sobre esse vazio. provavelmente é um dia qualquer entre semanas ensolaradas ou chuvosas. quando não venta não podemos empinar pipas e não há quem nos leve. há momentos em que acredito muito que não há sentido, que não tem porque mover pedras e represar rios. a gente muda as direções, às vezes, sem muito bem saber o porquê.

se a gente não sabe, a gente inventa. tenho uma amiga, por exemplo, que para hidratar o rosto, faz de uma das mãos uma cunha onde derrama um pouco de água, a outra mão molha um pouco os dedos e espicha água contra o rosto. não sei se funciona direito, mas olhando para esse gesto singelo, me refresco naturalmente a alma.

pode ser também a impressão de vida pétrea que nos sentir vazio. ou pode ser também a nossa propensão a subversão que nos faz questionar - negar muitas vezes - o que está realmente acontecendo conosco. ou talvez seja fome. ou vontade de estar apaixonado. ou algum medo pequeno que não detêm, mas nos atrapalha. ou falta de uma vida mais achocolatada.

ou dias quentes demais, demasiadamente chuvosos. ou talvez não seja nada disso.

20 janeiro 2004

:: escape

sinto que a vida escapa pelas mãos. não pelos olhos, nem pelo nariz. não pelos poros, nem pelo ânus. escapa entre os dedos feito areia que foge para seu destino de solo.

a vida escapa quando não seguramos com uma das mãos aquela pessoa pelo braço e com a outra tocamos seu rosto para dizer que não estamos fugindo.
:: bus stop

na periferia da cidade, os pontos de ônibus não são como os do centro. normalmente não há bancos, nem teto para abrigar da chuva. às vezes, há somente um acordo entre motoristas e passageiros. marcela sempre andou de ônibus e quando a prefeitura instalou um ponto em frente a sua casa, alegrou-se pela comodidade que lhe é oferecida. na parede da casa, mandou fazer um banco de madeira que fez questão de colocar verniz.

o bairro adotou a idéia e cada um se responsabilizou por um ponto. havia vários e cada um com sua própria personalidade. o seu josé da floricultura enfeitava com vazinhos e algumas samambaias. o ozaki da banca de jornais pendurava as primeiras páginas. dona josefa pintou todo o ponto de amarelo. e as irmãs madeixas publicavam seus sonetos no ponto perto da biblioteca. o bairro ficou conhecido pelos seus pontos. apareceram até no noticiario local. marcela sentia um certo orgulho apesar do seu pionerismo ter se perdido entre tanta agitação e notícias.

um dia, desceu um homem charmoso que viu marcela cuidando do ponto. e muitas vezes ele desceu naquele ponto para revê-la. começaram a namorar. um dia ele confesso que havia descido no ponto errado e errou todos os outros dias de propósito porque era um acerto. ficaram juntos por dois anos e nesse meio tempo ela sempre o viu ir embora pegando o ônibus, sentada no banco que mandou construir. ficava assim algum tempo ainda até que ele se perdesse no horizonte.

mas o amor acaba. quando acertaram a separação, marcela o viu saindo pelo portão. o ônibus do homem passou, ele não fez sinal. olhou mais uma vez para marcela e tomou direção do ponto certo.

19 janeiro 2004

:: o quarto branco

no quarto branco ela sorri perdas e chora alegrias. a cama chama para uma vida horizontal e o abajur com linhas faltosas acende feito esperança. o relógio não para de marcar as horas. é um artíficio como o metrô é também. ele nos alerta sobre o tempo que passa, ele sugere o tempo que resta. as coisas passam e talvez o quarto não esteja tão branco quanto antes.

neste quarto branco, ela sonha a síntese. até que, cansada, ela acorda e enxerga as cores.
:: karilla

karilla voltou do coma ontem a tarde. ficou perdida no tempo por 3 anos e meio, desde de um acidente de carro na imigrantes. karilla tem esse jeito como se todos fossem meigos com ela. não sabe diferenciar espinhos de flores.

conheci karilla um pouco antes. era amiga de vanessa, uma menina por quem eu era interessado. lembro-me do quanto evitou que ficassemos juntos. eu a odiava por isso. mas quando ficamos, chamou-me num canto e disse:

-- a vanessa é uma pessoa muito carinhosa. não tenha medo de ser também. ela é divertida e gosta muito de você. pensei que você fosse um espertalhão, mas acho que estava errada.

e dito isto, ficamos amigos. talvez fosse a pessoa que mais apostava na gente. mais até que nós mesmos.

vanessa e eu nos afastamos um pouco depois do acidente de karilla.

fui visitá-la hoje. percebi em seu rosto magro os anos que o coma lhe roubara. tinha ainda uma cicatriz no braço que ficava fitando, como se não fosse sua. pensava que alguém lhe pregara uma peça. entrei rápido no quarto porque havia prioridade para os familiares. reconheceu-me, sorriu. cheguei perto e pegou minha mão, ainda estranhando a sua própria mão.

falou-me de vanessa e como ela é carinhosa. mesmo que ela, karilla, e eu soubessemos que vanessa não nos era mais tão comum. talvez temesse que todas as coisas passadas já não fizessem sentido, não reconheceria e não seria reconhecida. percebi um olhar inseguro ao ver o resto dos familiares. apertei forte sua mão e disse:

-- a gente continua de onde parou.

e por um momento ela parou de diferenciar os espinhos das flores.

:: carol quer se apaixonar

ela quer ter borboletas no estômago. tomar drogas para ter coragem de falar quando tudo conspira contra. ela quer sonhar com uma vida perfeita a dois. possibilidade de casar e ter filhos. escrever versos amorosos e gastar a boca em beijos. ela quer se dedicar a alguém. dividir armários e meias e pasta de dente e molho para macarronada. me pega as 8. te compro as frutas. domingo é dia sonolento e podemos apenas dormir.

carol quer se apaixonar. não quer a pessoa certa. ela quer se apaixonar. quer poder sonhar a noite. reservar tempo na agenda. aprender comidas e posições sexuais. gravar cds e tentar dizer de outras formas os eu-te-amos. chamar para tomar chá e preparar o melhor chá.

carol quer sofrer se isso significar estar apaixonada. quer dizer coisas impensadas e com calores de paixão. quer bancar a sabichona para depois admitir que estava errada. e se for necessário, carol vai se desapaixonar também.

e assim carol vai vivendo e achando que esse vazio é sua vontade de se apaixonar. o que carol não sabe é que vazio é quem desistiu.

18 janeiro 2004

:: sky above warsaw

_ first line

i have some friends who don?t speak portuguese and always they ask to write something in english. agata, a dear polish friend, gave me an idea: a section in english. so i can practice my poor english to get it better. please, forgive-me errors and misunderstandings. cmok, agata.
:: giulietta

quando você foi embora, pensei que muitas outras coisas estavam terminando também. tenho essa mania de criar relações com tudo. era tão grande o desespero de perder o sentido que já de antemão me sabotava e fazia o resto perder o sentido também. quando você foi embora, abdiquei de todas as suas cores, todas as suas músicas, todos os cheiros e as imagens. no álbum de fotografia, primeiro tirei as suas fotos e as coloquei por último, num montinho. depois joguei o álbum inteiro no lixo. pensei em guardar as suas cartas, mas vendo as suas costas, juntei tudo numa caixa junto com as apostilas do cursinho, os trabalhos velhos da faculdade, os ingressos de cinema, as notas fiscais dos presentes, as revistas e mandei que algum programa de reciclagem os levassem.

fui distribuindo os cds que me deu e os presentes também. tudo para que não restasse mais nada nesse lugar que pudesse ser seu. quando você foi embora, pensei que jogando todas as suas coisas, seus pedaços pudessem se rebelar e quisessem ficar. fiquei dias esperando, tentando entender o que aconteceu. fiz jogos de palavras com poemas e argumentos para crônicas. tentei inventar uma compreensão. e tudo que pude foi dormir, beber um pouco mais e esquecer.

hoje você volta, mas é como se não voltasse porque aqui é um lugar diferente. outros povos guardaram a lenda de alguém que se foi, mas há outros assuntos hoje. hoje a sua chegada é um assunto para encher o que resta das páginas de jornal. quando você foi embora não imaginei que pudesse voltar apenas como uma nota num jornal.

quando você foi embora, lembro-me com dificuldade das trevas que me propus, da falta que me fez nos primeiros dias e da injustiça que cometera. se você foi egoísta, não sei bem, quando você foi embora eu achei. mas todos nós temos esses momentos. agora que voltou, posso indicar apartamentos mais baratos para alugar, mas dificilmente poderei ser seu fiador.

de resto, trago um pão de ló sem cobertura e saudo: bem-vinda.

17 janeiro 2004

:: as desventuras de cristiane conti na terra pastel

_ da invenção da supersemente

a idéia lhe ocorreu ao cortar. por que não uma melancia sem sementes? cuspir a semente é engraçado, mas dá uma canseira... então crisitane conti estudou biologia, química, física nuclear, culinária, artes marciais, decoração, esperanto e a secreta arte do kama sutra.

quando aquela sua experiência ficou do tamanho devido, percebeu que ela era todo semente. frustou-se. marcela lhe disse:

-- mas pensa, imagina o tamanho da fruta que isso vai dar! tirar as sementes será o menor dos nossos problemas.
:: quintanares

mario quintana é daqueles poetas que possuem leveza de pena e por isso é fácil acreditar que possa voar. há sorrisos em cada linha do que escreveu; os ressentimentos são apenas trampolim para saltos e há uma coragem de enfrentar a solidão que me impressiona.

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!


Mario Quintana


caralho, não dá vontade de ser feliz? =)


:: ask

se apaixona por mim, vai.

16 janeiro 2004



ana,

recebi sua carta com muita alegria, exagerada até. era como se as cores tivessem saturado um pouco e de tão tontas quase perdessem a matiz, um pouco do que são. é esse meu ponto de equilibrio que tende de cair mas não cai. ando um pouco estranho também, misto de desconforto e vontade de blow up. às vezes, a atmosfera é rarefeita; outras vezes, contém algum tipo de gás do riso analgésico. você falava sobre cores e eu pensando no rosa da aspirina infantil...

não deve confiar muito em seus pacificadores. aposto que são agentes duplos. de um lado promovem a ordem através de rotinas e noites bem dormidas. de outro, são subversivos que te cultivam a rebelião. minha modesta opinião: dê mais atenção aos subversivos. normalmente, são eles quem dão forma e cor ao coração.

não é falta, nem excesso. é transbordamento. heitor cony diz que isso é arte: o transbordar. gosto mais desse conceito do que qualquer outro sobre beleza. talvez esteja ansiosa, preocupada que isso não seja desperdiçado. mas posso dizer que suas marcas de copo estarão sobre as peles feito tatuagem e só vamos nos esquecer delas ao usarmos nossos uniformes de trabalho. do resto, tentaremos ser nus.

quero lhe falar de uma vida menos poética e mais elegante. mas essa conheço pouco. quero lhe contar sobre meu sonho em que milhares de paráquedas coloridos invadiam os céus e de como os achei lindos como o sorriso final de cabiria do filme do fellini.

talvez você seja uma dessas cabirias que para serem putas se maquiam a beça e revelam palhaços graciosos.

marcio

p.s. quer dançar?
:: bunny

tenho cara de coelho?
:: o clube dos corações solitários

já faz algum tempo que procuro por escritores novos. gosto muito de ler mas sempre achei ruim esse meu gosto pelos clássicos. parecem fora da minha realidade, talvez por isso goste tanto de vidas alheias. adoro por exemplo filmes, novelas, romances, contos de época. por muito tempo a música foi a única literatura que me parecia familiar. estava na boca dos meus amigos, de pessoas com quem convivia. percebi aos poucos que os programas de tevê e os filmes também tinham isso. mas foi caio fernando abreu que me revelou uma literatura muito próxima da nossa loucura cotidiana. uma literatura passional e urbana.

outros autores foram aparecendo. mais tarde os blogs se tornaram, se não literatura propriamente dita, a matéria prima para construí-la. comecei a perceber que havia muita coisa interessante e dessa massa nascia uma geração diferenciada, marcada pela falta de marca. há todos os tipos e estilos e temas. o que me impressiona é sinceridade impregnada nos escritos. em tempos de simulacros, me comove qualquer coisa que venha realmente do coração.

nesses caminhos do blog, caiu em minha mão o livro do andré takeda "o clube dos corações solitários" que acabo de ler. classficado pela imprensa e critica como vertente da literatura pop cujo maior expoente hoje é horby de "alta fidelidade", confesso que foi uma leitura que há muito não tinha: uma leitura de descoberta.

não sou crítico literário e não faço questão de analisar as técnicas e tal. o que me chamou a atenção no romance são as histórias muito semelhante as minhas, talvez os desejos, inseguranças, e essa vontade de esperança que a boa cultura pop nos dá. a música como trilha sonora de nossa vida. os amigos que são o indicio do novo tipo de família que anda surgindo. a cultura da tevê. as desventuras amorosas num mundo cada vez menos amoroso. e essa pequena teimosia chamada esperança.

acabei o livro com um bem estar. como o final de uma música boa ou os créditos finais de um episódio de sitcom que mudo os rumos da série. lembro-me dos sorrisos durante a leitura no metrô. penso que poderia ter anotado passagens e mostrar para as pessoas que passam por situação semelhante. talvez pudesse ser uma nova tentativa de fazê-las olhar por outras perspectivas seus problemas. dizer que essas coisas não nos são próprias. assim como a música é para todos.

já ouvi muitas pessoas que não gostaram. não sei se é um grande livro no sentido de literatura. mas estou pegando carinho por ele. observo-o e lembro dos meus amigos. cada um deles com seus problemas financeiros, sociais e amorosos. cada sorriso e cada abraço. momentos de besteira total e momentos em que criamos mundos da nossa falta de barba. e por um momento me reforça essa idéia de que talvez estejamos todos bem.

14 janeiro 2004

:: pipoca

e eu com esse cheiro de pipoca doce nas mãos. e eu nem comi pipoca doce.
:: sometimes always @ mazzy star + jesus and mary chain ::

cansado. unf. um pouco de dor de cabeça. um pouco de desesperança no copo de coca-cola com vodka. há um horário em que os canais de tevê pago maltratam o expectador com séries difíceis, um horário em que só se quer rir um pouco. procuro com os olhos as fitas vhs e percebo que eu também faço parte dessa conspiração. não encontro um filme descomprometido com a tristeza. os livros estão ali na estante, todos sérios e tristes também. talvez música. mas estou cansado. me deu uma canseira de ser quem sou. de estar por aqui ainda. no travesseiro com cheiros para desintupir o pulmão e o coração encontro um pouco de conforto. quero acender uma vela, inventar uma luz perfeita. mas o dia só pede um pouco de sossego e me conformo com predicados alheios. mensagem:

"sonhei com vc, um sonho lindo!

nos encontravamos
não lembro do durante
do q falamos nada
mas vc se despedia comoq uem tinha pressa
e me dizia alto, depois de distante de mim:

nos encontramos em outra terra.
talvez uma de pastel...

tãooooo fofo"

e na minissérie ela coloca a aliança num homem que não ama. e por hoje, está tudo perdido.

13 janeiro 2004

:: resumo


i am building a world for you
:: leonard

"Dear Leonard,

To look life in the face, always, to look life in the face, and to know it for what it is. At last to know it, to love it, for what it is, and then, to put it away. Leonard, always the years between us, always the years, always the love, always...the hours..."

Virginia Woolf


ana,

vivo lhe enviando notícias dessa cidade grande e torta, mas nem sei lhe interessa tanto. fica parecendo que na minha falta de assunto, invento a cidade para funções fálicas de "olá" e "tudo bem". estou sempre tentando lhe dizer olá.

mas falo de são paulo porque é o que razoavelmente conheço bem e tenho carinho. essa cidade que é a barbarie e porto seguro onde vive boa parte do que sou, assim como niterói deva ser para você. a gente sempre volta para uma visita.

nunca estive em niterói além do engano de ter pego a ponte sem querer. e sem querer vou tornando-na mítica como são paulo é naturalmente para mim. quase pude sentir os seus passos sobre o concreto, era canção.

venha me conhecer qualquer dia desses. posso te mostrar lugares e você pode me contar sobre seus amores. afinal, é disso que são feitos as cidades e os recados.

12 janeiro 2004

:: fwd

"Leia isso, querido...

13 linhas para viver

1- Gosto de você, não por quem tu és, mas por quem sou quando estou contigo
2- Nenhuma pessoa merece tuas lágrimas, e quem as mereça não te farás chorar
3- Só porque alguém não te ama como você quer, não significa que não te ame como todo seu ser
4- Um verdadeiro amigo é quem pega tua mão e toca teu coração
5- A pior forma de sentir saudade de alguém é estar sentado a seu lado e saber que nunca o poderás ter
6- Nunca deixe de sorrir, nem quando estejas triste porque nunca sabes quem pode se apaixonar por teu sorriso
7- Podes ser somente uma pessoa para o mundo, mas para alguma pessoa você é o mundo
8- Não passes o tempo com alguém que não esteja disposto a passá-lo contigo
9- Quem sabe Deus queira que conheças muita gente equivocada antes que conheça a pessoa adequada, para quando finalmente a conheças, saibas estar agradecido
10- Não chores porque já terminou, sorria porque aconteceu
11- Sempre haverá gente que te machuca, assim que o que tens a fazer é seguir confiando e ser mais cauteloso em quem confias 2 vezes
12- Transforme-se em uma pessoa melhor e assegure-se de saber quem és antes de conhecer alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és
13- Não te esforces tanto,as melhores coisas acontecem quando menos se espera !!!

Gabriel García Marquez

Conversamos mais tarde... Beijos."
:: questão

"um dia saberei que esse seu romantismo urbano e machucado salvou meu coração?"

quando me perguntou isso, sabia de uma resposta. era sim. um dia você descobriria que todos os meus versos secos e feridos eram boa pomada para seu coração estilhaçado. hoje, não saberia responder. não sei se um dia você saberá. não sei se era romantismo urbano e machucado.

talvez não tenha salvo coisa alguma porque não havia nada para ser salvo.
:: as desventuras de cristiane conti na terra pastel

_ de como a terra pastel se tornou uma terra encontrada

além de nomes damos setas às coisas em geral. cristiane conti teve a idéia de mudar os nomes e os sentidos da terra pastel. a rua céu chamou-se rua terra batida; o obelisco, torre de sombra e a casa das rosas, muquifo terrorista.

as pessoas começaram a ficar perdidas. atravasam, não conseguiam programar o video cassete e proliferaram os banco de dados atualizados que cobravam em ouro as informações. ocorreram fortes protestos e cristiane conti foi a julgamento.

foi absolvida com o seguinte argumento: nessa bagunça muitas pessoas se conheceram sem querer e se tornaram grandes amigas; muita bobagem foi dita que virou livro, filme, tema musical de motel, marca d´água e acento de privada; houve um pacto silencioso de informação gratuita e fresca, as pessoas começaram a se dar.

todos concordaram porque todos os presentes se conheciam pelo primeiro nome ou o nome que se deram.

a partir desse dia, em cada 4 anos, a terra pastel realiza sua perdição para ser sempre uma terra encontrada. e nesse dia, cristiane conti, toma um sorvete diferente, mesmo que o gosto soe o mesmo.
:: pertencimento

hoje eu estava gravando um documentário sobre festas populares numa igreja. não sou cristão e não conheço as liturgias e cerimônias. senti-me um estrangeiro perante toda aquela gente que sabia como se comportar e que se conhecia. sempre me senti um estrangeiro, percebi quando tive a sensação do que é estar entre seus semelhantes. lembro-me de algumas festas em que eram de predominancia de descendentes de japoneses. nunca me senti muito bem entre eles porque sempre pensei que não tinhamos aspirações parecidas. mas sabia que me tratavam como igual. conheciam a parte dificil da minha cultura e de como aquilo afetava o resto do meu mundo.

na igreja, olhei para todas aquelas pessoas e lembrei das meninas que eram apaixonadas por mim. deve ser mais fácil se apaixonar por pessoas parecidas ou com coisas em comum. foi eu que sempre considerei que não tinha coisas em comum. pensei que meus pais amariam que eu tivesse um filho japonês e que eu continuaria uma corrente que eles tentavam estupidamente preservar. mas já é tarde: ao contrário deles, eu me sinto um estrangeiro em todos os lugares que vou, com todas as pessoas que converso e sentindo toda vulnerabilidade que isso possa causar.
:: romântico

ultimamente tenho sentido falta de escrever coisas românticas. discursos amorosos cheios de pretensão e paixão. desses exagerados e piegas. quase um crime literário. dessas falas dirigidas, tomando para si a responsabilidade das palavras. gritar para meio mundo o nome, as dores e alegrias, a exacerbação que se torna a realidade. coisas que vêm de um lugar entre o coração e o esôfago. que tramitam e entopem os pulmões. que estejam a um passo da ruína ou da glória. algo que possa ser sussurrado em troca de um beijo.

não sei onde cazuza tirava tudo aquilo. algo em mim se perdeu e não tenho com quem inventar.

10 janeiro 2004

:: as desventuras de cristiane conti na terra pastel

_ das geografias psicológicas

cristiane conti abriu seu mapa. onde ficavam as ondas que lhe arrebatavam o coração? devem ser tempêros do norte ou fornicação do sul? sua amiga marcela mora longe, aqui do lado. nas planícies, elas jogam bocha. nos planaltos, pinball. outro dia qualquer vai ser contado como maremotos são muito menos devastadores que cachaça com musical.

mas hoje a lua morreu no mar e o sol nasceu em outro sentido.
:: as desventuras de cristiane conti na terra pastel

_ de como as cerejas tomaram seu gosto

começa assim: não existiam as frutas, mas as flores. e tudo tinha a ver com sexo. como não eram nada saborosos. o sexo era um suck.

embora as cerejas não tenham sido as primeiras frutas a serem inventadas, foram as primeiras com malícia. cristiane conti fez bombons. mas o chocolate não foi ela quem inventou.

ela inventou os licores de cereja amplamente vendidos nos hipermercados da vida.
:: untitled #01

tenho buracos na alma como se faltassem pedaços amorfos. um quebra-cabeça com peças deformadas por calores e umidades. sinto que mesmo que encontrasse cada um dos pedaços, ainda sim faltaria cola, extravagância, superfície lisa para montar tudo. é algo que parece que me haviam arrancado, mas nunca tinha saído daqui. as pontas dos dedos não são suficientes para segurar com firmeza a caneta. os lábios são poucos para o amor. corto o cabelo para revoluçõese a barba esqueço por vaidade.

mais leve são as minhas aspirações. organizo fóruns sobre inquietudes e tristezas em salões de festas onde as pessoas deveriam estar dançando. sinto sua falta. acho que é isso. sinto falta da sua presença invadindo os arquivos que organizo, o banho que tomo, os passos compassados com as músicas do walkman, as músicas do walkman.

e é aquele tipo de falta que se move. muda conforme os temperamentos. vou sentindo sua falta de maneiras diferentes. às vezes, dou sorrisos e outras vezes apenas me calo. tem dias que esqueço, apenas.

08 janeiro 2004



ana,

hoje choveram grandes gotas e me lembre de ti. despedaçavam-se sobre a pele e o cabelo e me invadia a boca aberta pela ofegação de estar correndo fugitivo dessas mesmas grandes gotas. a roupa ficou pesada e o celular desligou. o walkman heroicamente funcionava com velocidades irregulares, mas cantava algo sobre dois a rodar numa pista de dança. imaginei se era possível dançar a dois numa piscina. acho que não chegava oxigênio suficiente na minha cabeça.

cheguei felicíssimo em casa. por um momento, ao ligar o chuveiro, hesitei em deixar esvair essas grandes gotas ralo abaixo. mas você reapareceu em gotas menores e quentes e pude oferecer o cheiro do sabão.

p.s. chove até março mas você vai embora em fevereiro... no mar chove tanto?
:: crime perfeito

fui convidado para um jantar na casa nova de duas amigas que estimo muito. convivemos na faculdade e agora que temos nossas vidas de adulto é muito elegante que me convidem para um jantar. tratei de comprar vinho -- em outros tempos seria cerveja -- e sorvete de sobremesa.

a vandreza veio da cidade de ribeirão preto e há cinco anos mora em são paulo. por incrível que pareça teve experiências frustrantes com fogão, ou seja, sempre jantou e almoçou fora. a priscila foi quem deu ares caseiros a casa ao trazer o fogão. preparou-nos um strogonof, arroz e salada. falamos do ano que se iniciava e dos que já se encerraram e eram comuns a nós. eu detectava um tipo de graciosidade que não sabia identificar.

acabei dormindo por ali mesmo.

hoje indo para o trabalho me vi cometendo algum crime perfeito. estava alegre e sem culpa nenhuma. pensei na história das chaves que a mariana me havia contado uma vez. a história de um homem que era perseguido pela ditadura do chile e que 5 chaves o haviam salvo. 5 chaves de 5 apartamentos de 5 amigos.

eramos cúmplices.

07 janeiro 2004

:: chegadas e partidas

há sabores que fogem fácil da boca. cheiros que não apresentam resistência aos novos sabões em pó. nossa cabeça é o melhor programa de edição de imagens, apagamos sem mouse e botões objetos e pessoas que não queríamos numa imagem. reconstruímos fácil o mundo que nos é ofertado. o que nos interrompe são os fantasmas.

ela me falava da dificuldade de dizer adeus. de como as pessoas vão embora e dessa sensação de nunca mais vê-las. navios fantasmas. todas as pessoas que vão embora estão indo para o triângulo das bermudas. era muito forte esse sesnsação talvez de nunca mais voltarem. largaria tudo também, mas não era fantasma... não era fantasma de si mesma. e por isso a solidão. vivia numa cidade de fantasma não sendo um que pudesse se adequar. por isso que era difícil deixar que partissem.

ela própria os fazia fantasmas.

eu disse a ela que as partidas eram naturais e assim que deveriam ser encaradas. se havia partidas, havia chegadas, voltas. e mesmo que não acontecessem por agora, não admitir sua possibilidade era tão grave quanto não acreditar que bons livros ainda seriam escritos ou bons filmes seriam feitos ou boa comida seria saboreada. há sabores que teimamos em deixar na nossa boca, começam a amargar e achamos que ainda são os mesmo sabores. são como fantasmas: partiram mas um parte ficou para nos amargurar.

é hora de dizer adeus porque um dia pedirá a alguém que a deixe partir também.

05 janeiro 2004

:: je revies

se sentir saudades, pense que volto logo,
daqui a algumas horas, perto do almoço.
se sentir falta, já não posso fazer muita coisa
além de pedir que me busque o mais tardar
antes do jantar.

se me esquecer, apareço como receita nova,
desconhecida e sugestivamente inexplorável.
se for indiferente, apenas sirva o prato do dia
e cobre o preço justo que já vou embora.

04 janeiro 2004

:: teatral

temos muitos papéis para representar. shakesperianos ou burlescos estamos sempre em alguma cena. desde da mais natural até a mais planejada, quase maquiavélica. em nossa vida, temos essa busca de um bom personagem principal. mas o que somos na vida dos outros?

comédia ou tragédia, nem sempre escolhemos o papel, às vezes as circunstâncias nos investe de um. passa pela minha cabeça os milhares de personagens secundários pelos quais simpatizei, muitas vezes tão primordiais quanto o principal. algumas histórias tem essa polifonia bakthiniana e talvez seja isso mesmo o que nos acontece. são nossos desejos que privilegiam essa ou outra personagem. talvez eu não esteja pensando em alguém que tenha sido e está sendo fundamental agora nesse vigésimo quinto ato da minha vida. mas isso deve fazer parte da história.

por um momento me dei conta da responsabilidade de ter papéis importantes na vida alheia. imaginei-me num papel fundamental quando não me importava em ser coadjovante, o segundo amor da vida de alguém, confindente casual ou simples conhecido. não que não me importasse com a pessoa, mas que não fosse co-responsável pelas reviravoltas importantes dela.

mas por que não aceitar tal papel? não achei uma réplica boa além de: "quebre a perna, merda!" que nem resposta é.
:: cidade

esta cidade ainda tem seus encantos. estão espalhados, desfocados, quase desagrádaveis de tão invisíveis. novas obras públicas, carros que foram provocados a andar em outras vias.

sobre o lodo do rio do tietê há flores mutantes, quase uma rede nervosa. os prédios espelhados, a criança com sua miniatura de parque, lagos artíficiais. a cidade vai acontecendo nas esquinas, nos apês bauhaus, nas padocas e mesas de bar.

os grandes cinemas sendo fechados, as casas de peep show. nos palcos dessa cidade se apresentam o mendigo e sua bebedeira com forte sotque nordestino e puxando rrrrrrrr. quem usa gravata não come a mortadela. para o céu falta a profundidade e paciência de querer conversar. a cidade corre em seus trólebus. o congestionamento é um deixe estar.

muitos sotaques e y, k e w. há muitas pessoas pretenciosas, mas a maioria só sonha dias melhores. a maioria nem é daqui. mas é para onde todos acabam voltando, seja para ficar, seja para dar um olá. se me perguntasse eu diria: faltam pistas de dança, big bands, espaços de lazer e oportunidade para as cores.

esta cidade tem seus encantos. eles se movem nas linhas de transporte urbano, carros e a pé. os rostos satisfeitos por terem quem visitar e ter uma paisagem, enfim, familiar para atravessar.


ana,

as máquinas pararam por alguns dias e o mundo soou sonhado. a virada trouxe espectativas e o ano que começou é cheio de esperança, sei disso porque vi alguma coisa parecida nos olhos das pessoas. elas cantavam desafidamente e num inglês ruim. mas todas tem aquele clima de final de filme do frank capra.

tentei achar um cartão com motivos menos óbvios. algo que simbolizasse mudança lenta e saborosa. mas só havia essas pessoas demasiadamente felizes ou fogos de artíficio. cogitei desenhar, mas não aprendi ainda. pensei que os comerciais de banco me inspirariam, mas eram tão máquinas também.

envio-lhe votos de um bom ano. fins de semana ensolarado e sem náuseas. tente se manter bem, há qualquer generosa e feliz ao imaginá-la bem. aprenda dança de salão ou cello. preciso ir agora. pediram-me para religar as máquinas.

vou deixar soar sonhado o nosso mundo, todavia.

03 janeiro 2004

:: punch drunk love

assisti ao filme do paul thomas anderson hoje. havia baixado pelo kazaa há uns 4 meses, mas nunca tive um momento tranquilo para assistir. lembro-me da primeira cena em que sandler está falando ao telefone, não conseguia entender direito pelo meu inglês ruim. acabei desistindo.

gosto muito desse título "punch drunk love", confesso que ignoro o brasileiro "embriagado de amor" por que prefiro o inglês. parece nome de canção e gosto dessa idéia.

o filme me fez pensar que o amor é realmente algo insano e que fazemos coisas insanas por ele. às vezes, nem são grandes coisas, mas é insano lembrar de alguém por causa de uma palavra dita de determinada maneira, pegar o ônibus de itinerário mais longo só para passar perto da casa de determinada pessoa, escrever distraído com o dedo besteiras amorosas na coxa, imaginando como soaria falado, pensar como economizar o dinheiro diário para sobrar o tanto para aquele pequeno exagero, aquela exuberância com que a pessoa sorrirá, programar o futuro em função dela, esquecer o passado em função dela.

e apesar da amor ter um lugar privilegiado na nossa sociedade - ou pelo menos sua idéia - não consigo pensar em algo mais subversivo também. há algo de redentor no amor e embora isso possa parecer muito cristão e retrógrado, sempre me soa como revolucionário, apesar de tantos filmes, canções, tratados filosóficos, receitas culinárias, programas televisivos, páginas de internet, cd´s gravados e cartas. talvez fosse muito mais fácil não amar, mas resistimos, somos tolos. e ficamos nervosos com isso, às vezes.

não vou falar muito das coisas técnicas do filme, apesar deles terem contribuido para a boa impressão que tenho. o filme começa muito silencioso e a câmera é parada. não chegamos perto do protagonista. aos poucos percebemos suas insanidades de pessoa solitária e a medida que nos aproximamos de sua histórias a música surge (como surge também na nossa cabeça nos momentos mais insanos), a câmera se move mais, acompanha a agitação do homem. agora ele comete insanidades de pessoa que não está tão só.

e não há bebida que justifique tanta insanidade.

01 janeiro 2004

:: fireworks

cheiro de pólvora. há umas explosões exparsas, testam para que tudo saia bem. no terraço da outra esquina, vejo muitas pessoas esperando também. reencontro-os todo ano, eu mesmo só venho para o meu solar nesse momento, esqueço-o quase sempre.

torço para que os ventos dissipem as nuvens. tento me concentrar no céu para enxergar as estrelas menores. o ano inteiro nos convencemos de que é preciso enxergar a tudo e a todos. mas não temos olhos de cavalo. temos bigodes e cilios postiços. falta pouco para os fogos. eles serão as estrelas pequenas que não conseguimos ver durante o ano que passou; serão as estrelas pequenas que não veremos durante o decorrer do ano que chega.

a familia do terraço a frente está feliz. os fogos começam. devo estar feliz. há muita fumaça e sons. preciso enxergar. estou.