a million parachutes

for us

30 setembro 2004

:: sr. plates

sra. dalloway,

na décade de 90, houve uma proliferação de casa de tintas e sebos por aqui. em algumas ruas chego a ver 4 ou 5 lojas, seja de tintas, seja de livros ou de ambos. havia a esperança, acredito, de que poderiam recuperar uma memória que nunca puderam ter ou dar cores novas às casas já que derrubar e reconstruir tem sido algo doloroso para a história dessa gente.

a maioria dos estabelecimentos está em via de falir. alguns resistem. acabei ficando amigo de um senhor muito simpático que possui uma dessas lojas hibridas. ele cuida sozinho do lugar. lá se vê as tentativas de tornar o negócio mais rentável: as tintas das paredes sobrepostas numa experiência de invenção de novas cores; o curso de língua do país vizinho pegando pó; volumes de autores novos locais - alguns muito bons. mando-lhe algum assim que puder.

esse sr. de nome plate espera pelo filho que foi estudar administração na capital. disse-me que sabe que o filho não levará a loja e seu legado e que fechará assim que seu filho dar as novas de que se formou.

nesse dia saí da loja com apenas 2 volumes de borges que consegui por preços irrisórios. "ninguém acredita mais nos latino-americanos e seus países sonhados, nem eu", disse-me. do rua, olhei através da vitrine o sr. plate organizar os livros por algum critério secreto e continuar suas experiências com as tintas. do outro lado da rua, alguém cantava cartola em lá-lá-lá e um outro recitava eduardo galeano num espanhol incompreensível.

pensei em ti e achei um desacato do sr. plate não acreditar nos latino-americanos.

29 setembro 2004

:: céu

querida,

vou guardar todos os seus comentários num balão. e quando ele estourar e chovert-te, não vou caber em mim. serei como um céu e te farei a mais bela das luas.

28 setembro 2004

:: natalino

o natal vai ter que passar rápido para ela esse ano. não tem dinheiro para comprar presentes e nem terá um endereço fixo a tempo para recomendar cartões. ficará uns poucos minutos no orelhão da esquina para desejar as felicidades costumeiras. só vai dar tempo para a arrumação do ano novo para o qual tem muitas expectativas.

mas ela separou dinheiro para uma lasanha e um vinho bom. e na véspera convidará algum amigo solitário ou será convidada. só torcerá para que não sejam muitos e que não morem muito longe.
:: without your love

por que billie holiday faz uma coisa dessas?
:: what she said

ouvindo smiths, surtado. dançando e pulando até o chão e no chão me debatendo. o pulso, o cotovelo, o tornozelo, a nuca. até o cansaço fazer o corpo perceber o que dói e o que não.
:: desolado

perdi minha carteira de novo. já perdi as contas de quantas vezes. desisto.
:: lunar

da lua vieram seres invisíveis que tornaram a civilização suportável. sua existência não se comprova em tabelas periódicas, nem em equações matemáticas com mais letras que números. na verdade, nem se comprova a existência.
:: árvores

na frente da minha casa, no pré-escola da prefeitura, existem algumas árvores muito tão altas que se apodresessem suas raízes destruiriam minha casa na queda. mas ao contrário de outras menores, elas são as mais resistentes. há nos seus troncos os fungos indicativos de atmosfera boa. a prefeitura já pensou em podá-las, mas os moradores impediram. no bairro, são como uma montanha que as pessoas utilizam para se localizar, embora haja muito mais prédios que antigamente, o que dificulta a visão.

o velho quase cego e que inclina a coluna diz que foi um jardineiro grego quem plantou as árvores altas e que era um exemplo para as crianças do quão alto podiam chegar se fossem bem cuidadas. perguntei se não era uma coisa muito difícil para se ensinar para as crianças dessa idade. o velho respondeu que não era um ensinamento para as crianças, mas para seus pais que esperam no portão a saída de suas crias.
:: correspondências

sra. dalloway,

há mto não lhe escrevo, mas não foram poucas as páginas guardadas. anotações, desenhos e indicações de músicas. essas linhas vão por saudade, a mesma que lhe aborrece de quando em quando. saudade da vida. muitas vezes pensei em retomar essa correspondência, mas sempre concluía que talvez nunca chegasse para onde sempre foram destinadas. penso que há muita chance de ser abortada novamente, mas hoje, depois de tantas desventuras e desencontros, não importa tanto. porque sua retomada não soa tão dolorosa.

ando curioso em saber como andam nossos amigos comuns. recebo só notícias ruins; as boas, suspeito, reservam para quando eu voltar. mas se eu me demorar? não ficarão ainda mais velhas as notícias? não será mais sôfrego estar ausente e ainda perder o fio da meada? e se eu não voltar há tempo?

aqui os relógios se confundem, ninguém chega a conclusão alguma. eu matenho o mesmo relógio ao qual você fez elogios tão surpreendentes, mas até ele não me surpreende mais. assim que eu terminar essas linhas, enviarei postais aos nossos amigos e em cada um desses postais colocarei uma palavra secreta. assim será forçada a visitá-los para formar o quebra cabeça e saber o que anda sentindo o meu coração, se lhe interessar.

vai anexo alguns selos locais. não poderá usá-los sós, mas se colar alguns daí talvez os correios aceitem a brincadeira. e será como se estivéssemos infringindo a geografia para estarmos mais próximos mesmo que em envelope sem dolência.

p.

27 setembro 2004

:: lá

me falta a alta.
:: root

acho que é isso. há momentos em que você deixa de lado porque continuar dói muito. não é desistir, é só parar um pouco e ter uma respiração diferente para avaliar se vale a pena. tem dores que valem, mas tem outras que não. o problema desses momentos doloridos é a capacidade de dilacerarem como se amputassem um membro invisível que não sabemos ao certo se sentiremos falta ou não.

sinto um vazio grande. desses que não se imagina como preencher. vou perdendo as coisas pelo caminho: objetos, sentimentos e memória. pessoas também. elas partem e quase não dizem adeus. olho para trás para que possa ver os objetos perdidos, mas engano-me: sempre olho para o céu daqueles dias.

não quero muita coisa da vida. acho que já vivi bastante coisas boas. vivo aprendendo com as pessoas que passam. elas me dão água para matar a sede. mas acho que é isso. há momentos em que você quer sentar um pouco e ver os outros também passarem. oferecer água. ouvir o coração desacelerar e fazer as pazes com ele.

evitar de tomar analgésicos, deixar de arquitetar tantos sonhos, deixar-se esvair a dor e descansar o quanto for.

obrigado.

26 setembro 2004

:: everything reminds of her

que horas são? me pergunto, confuso se estou ansioso para que dure ou acabe essa espera. o relógio no vídeo, no canto da tela do computador, o sol. libreto e agenda da semana. teremos manhãs ensolaradas? que dirão sobre as ondas do mar? os návios saberão como nos encontrar? saberemos nós reconhecer? detalhe de foto manchada de tempo. calibre do parafuso que sustentará a mesa onde anoto detalhes de uma casa nossa que não existe. ainda. ainda assim. ainda.

as flores dessa primavera passeiam. procuro por sorvetes de flocos. na minha cabeça há qualquer coisa semelhante às nuvens: tensão entre ventos e chuvas... depende da temperatura dos nossos corpos e o quanto compartilharemos de calor. alugo os dvds por causa dos extras. detalhes de como são construídos a língua e falta dela. mãos pequenas para o piano. mas um piano de teclas sugestivas. que horas são?

tudo me faz lembrar dela. até a confusão da cabeça que acontece de pensar nela me lembra a confusão da cabeça dela.

25 setembro 2004

:: um tanto

querida,

falta um tanto para nos encontrarmos. na semana que vem emitirão as passagens e já poderei reservar algum lugar para ficar. se existissem os trens no brasil, iria assim. preciso de alguma mala ou mochila que me dê agilidade para acompanhar-te. protetor solar e alguns remédios para enjôo. minha mão ainda treme. preciso deixar o cabelo um pouco mais curto. espero dias de sol, espero dias de lua.

estou organizando os cd´s que te levarei. não serão muitos, mas bem selecionados. a tua caixa não está tão cheia, um descuido. mas não faltam signficados. há tanto sentimenos que até me atrapalho. tenha paciência se parecer-te muito simples. talvez seja simples mesmo. a gente vai dando o contorno que merece. quero tocar em tua nuca.

falta um tanto para nos encontrarmos. mas sinto que já nos encontramos um tanto.

24 setembro 2004

:: existência

mesmo que você não exista, não desisto de você.
:: magnólia

o que as pessoas precisam é perdoar
e serem perdoadas,
não precisa ser na mesma medida.

e precisam se dar um chance
e acreditar um pouco mais nessa chance.

porque nós passamos pelo passado
mas o passado não passou por nós.
:: break

"Anacrônica

Talvez a melhor coisa do mundo seja fazer alguém feliz."

... daqui.

23 setembro 2004

:: medo

e se nesse dia eu faltar, é porque eu tive medo de faltar esse dia.
:: bilhete

a gente se conhece há tanto tempo, não? e você foi pegando sentimento por mim, aos poucos, mas de forma desordenada. nunca lhe dei motivos para gostar de mim e você foi gostando como quem descobre margarina nova com gosto antigo e bom. eu ria um bocado e era mais rápido nas tiradas, mas você nem se importou quando fui me desmontando e virando outra coisa menos divertida. anda ocupada, eu sei. mas reserva, como pode, um tempo para mim nem que seja em pensamentos.

e você sempre com essa força de levantar e enfrentar o dia. espera que o mundo lhe seja bom porque é muito bondosa para o mundo. evita misturar o lixo e os banhos demorados. acredita nas crianças, as mais perversas. acredita nos homens, os mais ferozes. acredita nos desiludidos, porque conhecem os tropeços da ilusão. acredita na fé porque há qualquer coisa amorosa em ter fé.

e eu não consigo explicar como a gente resiste ao tempo e a distância. ficamos velhos, mais adulto, com menos tempo e mais afastados, mas continuamos. como se resistir fosse algo natural às leis da amizade. do olho esquerdo cai uma lágrima que o olho direito continua com outra. assim vamos sendo esvaidos para que o oceano de outro ano mantenha os icebergs dos polos e o nível das marés.

felicidades, van.

22 setembro 2004

:: o caminho dos sonhos desfeitos

ontem a noite, fiquei com o coração partido. sabe aquela dor de quem sente a densidade aumentando? coração se apequenando e ficando pesado. tomei um pouco de vinho barato para transferir o mal estar para o estômago e depois para a cabeça. deixei alguns livros sobre a mesa e papéis a mão. escrever sempre me pareceu terapeutico. um jeito de conversar. pensei sim em ligar para alguém. a agenda estava visível mas não havia nenhum alguém.

estou cansado. cansado de fechar janelas porque a luz é muita. ou manter a atenção e a funcionalidade dos bens que me mantêm lúcido. quero um pouco de paz, sabe? por algum tempo. fazer as malas em prestações. ouvir os discos novos das bandas nem tão novas. a alma espera o vento que a abane. e se for sortudo, ele a levará.

ontem a noite, é como se eu tivesse perdido alguns pedaços dos sonhos. como se faltasse ao caminho dos sonhos algo fundamental, necessário e vivo como um sim que lhe abarcasse.
:: parachutes.tv - videolog

como os episódios anda mais difíceis, vou colocando pedaços no videolog que abri.



21 setembro 2004

:: língua

não é o que a língua diz. é o que ela faz.
:: sobre a anatomia sentimental

há no peito algo que dilacera e é dilacerado.
:: luiza

eu servia a uma principessa. mas ela encontrou outros reinos. aprendi o mal jeito de ir embora e fui. vaguei por outras terras, tive aventuras, sofri derrotas e aprendi a ciência das estrelas. voltei às terras de luiza por acaso e dentro daquela imensidão de campos e céus, deixei a armadura de caveleiro para os mais novos. fui ter com a principessa e percebi que a imortalidade das estrelas era imprecisa.

descobri que abandonei uma principessa solar, que existia em sistemas frágeis. deixei de ver os campos, os céus e a pessoa que era. o quão bonito eram suas coisas terrenas, o cabelo, a compaixão, o jeito com que fazia seus chamamentos. disse-me ela que também não evitou que eu partisse porque não sabia o que era partir.

percebi nesse dia a principessa que nunca deixaria de me acudir e que me amava o tanto quanto podia e ofereci-lhe um reino e minha vassalagem para que não nos perdêssemos mais.

18 setembro 2004

:: just a kiss

ah, senhora tristeza, se eu lhe der um beijo você vai embora?
:: a million parachutes

parachutes: já tive sonhos assim...

foto com dezenas de paráquedas caindo do céu...

lua: os paráquedas somos nós?

parachutes: não sei. quer que sejam?

lua: quero o que quiseres. quando te vejo eu desejo o seu desejo.

17 setembro 2004

:: samba-te

querida, podemos sorrir outra vez.
:: marcela

durante o dia, marcela costuma ouvir passos rápidos, muitos. multidões andando em bando para seus afazeres. galopes regulares que de quando em quando desatinam e fogem. marcela não sabe identificar se quem ameaça é um leão ou leopardo, mas reconhece que não será tão rápida quanto eles. marcela faz bem em imitar os passos que ouve. a manada lhe protege e ela sonha crias.

de noite, a selva acalma-se. mas há os grilos que afligem a carcaça de dentro de marcela: eles também sobreviveram ao dia.

mas ela sobreviverá a eles?
:: carta

recebi uma carta da ana. ela diz que está voltando, mas me pareceu muito mais por causa das saudades que falta. por isso desconfio. chamou-me de cretino e achei bacana o porquê. tenho sido um tratante, preciso responder. há muita coisa para escrever. para os amigos a gente tem muita ou pouca coisa para escrever, mas sempre tem.

14 setembro 2004

:: lua-te

porque você é o que faltava para que meu coração esquerdo descansasse de tanta inclinação.
:: cartas de despedida

querida,

quero lhe escrever cartas de despedida.
para que nunca nos despeçamos.
:: no carro

priscilla falava sozinha no carro. os motoristas que paravam no mesmo sinal vermelho achavam graça. uma menina veio lhe vender alguma bala.

-- tenho um amigo também. chama-se chicão. como chama o seu? perguntou a menina.

-- priscilla. respondeu.
:: emails

ela passava as horas vagas debruçada sobre papéis, escrevendo. as pessoas não sabiam muito bem o quê. seu amigo veio lhe falar sobre a falta de tinta da impressora. ela se desculpou e explicou que havia impresso alguns emails. aproveitando a deixa, ele simpaticamente perguntou o que tanta escrevia.

ela respondeu que passava a limpo os emails para que tivessem esse ar de bilhetes. gostava quando recebia bilhetes. e que inventava letras, rabiscos, erros e desenhos que condizesse com o rementente e o conteúdo do email.

ela amassou alguns e jogou no lixo. seu amigo perguntou se a caligrafia estava ruim. ela disse que aqueles bilhetes já haviam dado o seu recado e que não lhes restavam mais que isso.

13 setembro 2004

:: café do farol

começaram as obras. a lua e eu estamos montando um café para receber os amigos e dar alento ao coração. o café é uma extensão do coração. fica numa esquina do mundo. haverá cantorias, jogos, conversas, guloseimas e petiscos. arriscaremos sopas e saladas. visite nossa cozinha:



se a lua estiver dengosa, ela coloca torrões de café para ressaltar o gosto do chocolate quente.
:: felicitá

felicitá está dormindo e pouca gente sabe quando acordará. lençol, fronha, travesseiro de espuma. felicitá dorme em cama incômoda e deselegante.

esperam todos que felicitá acorde para assim lhe pentearem os cabelos e escovarem os dentes. felicitá tem que ter boa aparência e hálito de hortelã.

mal sabem eles que felicitá é feliz dormindo.
:: trabalhor da construção civil

nilton mudou o tipo de sangue indicado no capacete de construtor civil. queria que lhe corresse nas veias, segunda chance na vida, um sangue mais afortunado.

:: voltei

poisé, voltei.
há um sotaque que me deslocou
e resolvi voltar
para ver se aprendo a falar com esse sotaque
as coisas que tenho para dizer mas me faltam palavras.

pois se a palavra é pouca,
o detalhe da voz inventa o novo.

09 setembro 2004

:: até

nunca soube bem as razões pelas quais escrevia. talvez fosse um hobby, talvez fosse tentativa de comunicação, talvez transbordamento da alma. qualquer coisa. o fato é que sempre tive uma força impulsora seja ela de boa natureza ou não. hoje, fico surpreso com a longevidade que este espaço teve. momentos muito vivos e tristezas arrebatadoras. perdas e ganhos. foram quase dois anos registrando e inventando acontecimentos. há quem buscasse alento por aqui, há quem só queria notícias. há quem gostasse das histórias. há quem viveu comigo os sentimentos aqui narrados.

ando com tristeza no peito e não quero passar isso para cá. os novos arribiscos são soturnos e decidi que não quero isso.

não estou fechando o blog, mas vou retirar os textos para uma pausa (de mil compassos). além da vontade de preparar este presente para os leitores amigos na forma de um livro, participarei de uma oficina literária online. uma experiência diferenciada que tentarei repartir depois com os leitores.

acho que é a primeira vez que chamo de literatura estes textos. dificuldade conceitual. chamei porque ao me inscrever na oficina, mandei os textos deste blog.

talvez continue mandando textos através do email.zine. então se quiser receber material novo, é só me mandar um email :



que coloco na lista do zine que não tem uma freqüência muito bem definida.

por fim, quero agradecer aos leitores amigos que vieram a mim e participam de alguma forma deste blog. são muitos nomes e não quero cometer a injustiça de esquecer alguém. então, saberão de quem falo se a carapuça servir.

aos amigos que resistem a minha deselegância e elegantemente participam ávidos da minha vida: obrigado por tudo.

volto qualquer dia.

márcio yonamine


p.s. tirarei do ar os textos na semana que vem.

08 setembro 2004

:: hoje

uma solidão de cortar gilete.

07 setembro 2004

:: olhos

estou nos seus olhos.
a felicidade enxerga o invisível.

:: radiocabeça - happiness - elliot smith

Activity's killing the actor
And a cop's standing out in the road
Turning traffic away
There was nothing she could do untill after
When his body'd been buried below
Way back in the day

Oh my
Nothing else could have been done
Made his life a lie so
He might
Never have to know anyone
Made his life the lie, you know

I told him that he shouldn't upset her
And that he'd only be making it worse
Invloving somebody else
But I knew that he'd never forget her
While her memory worked in reverse
To keep her safe from herself

What I used to be will pass away
And then you'll see
That all I want now is happiness
For you and me
:: great hope

não espere muito de mim.
sou tão pouco.
não tenho talento e artíficio para proteger.
sou apenas mais um.
e dissopo com facilidade
as grandes esperanças.

amo tanto que chega a ser deselegante.
mas pouca gente repara.
e quem repara, foge.
porque não sabem lidar com a deselegância.

então, se é uma pessoa elegante,
não espere muito de mim.
sou tão pouco para sua elegância.
não tenho talento e artíficio para o seu amor.
sou apenas mais um.
e dissopo com facilidade
esse tipo de esperança.

05 setembro 2004

:: hunf

esqueci não.
coisa assim não se esquece.
mas o coração é pouco,
precisa descansar às vezes.
:: contratempo

ela anda meio atarefada. quase não tem tempo. mas hoje em dia quem tem? ela acha que um dia arranja tempo, que o pulso fica mais leve e o rosto menos evidente de cansado. ela quer boiar no mar e receber calor do sol como se fosse armazenar energia para o resto da vida e se estiver no mar nessa situação o resto da vida só pode ser bom.

ela vai encontrar quem a mereça. alguém mais perto do coração. vai sonhar menos, vai se mexer mais. a felicidade não será apenas uma idéia boa e difícil, mas um exercício que praticará todos os dias. o corpo pede, a cabeça encanta. talvez o emprego não seja o melhor do mundo, mas vai sobrar tempo para as leituras, cinema, música e escrever.

escreverá com a pena dos fatos as experiências que o coração lhe propor. falará dos medos, chorosa mas cheia de coragem que não saberá de onde vem. e talvez não venha de nenhum lugar específico. tocará piano, preparará geléias, cuidará das raízes das flores, rabiscará o céu.

mas hoje não dá mais tempo. ela precisa dormir um pouco. os sonhos ela deixa para o sono de amanhã.

03 setembro 2004

:: cuco bar

peguei do lixo um relógio cuco todo quebrado. foi um impulso amaluquecido como diria a piu. sempre quis ter um relógio cuco, mas não foi isso que me motivou a abrigá-lo. pensei em usar a carcaça para fazer uma casa de passarinhos.

tirei o miolo de peças precisas e comprei madeira boa para os reparos. falta lixa e tinta: azul como a piu gosta.

sempre me questionei sobre a utilidade das casas para passarinhos. para que ter casa se a casa é o mundo?

a casa de pássaro é um ensaio de nosso lugar de encontros. de nosso vôos insólitos. ensaio de bar para papear e molhar o bico.
:: aposta

estavamos deitados olhando para o céu. era um noite estrelada. ela me desafiou:

- posso mover o céu para o lado.

aceitei.

ela beijou meu olho esquerdo que salivado permaneceu fechado. o outro olho viu uma lua deslocada.

:: gravidade

tirou do bolso silvia um pacote embrulhado com papel de seda azul. disse-me que aquele objeto lhe traria grande economia enquanto fosse criança. com ele, silvia conseguiu pular facilmente um córrego e isso encurtava o caminho para a escola.

perguntei que tipo de feitiçaria era aquela. ela desembrulhou parte do objeto: era uma pedra.

- da lua.

:: paratins

o ouro em paratins não vale muito. a moeda forte é o perdão. é tão raro que quantias como a de 5 milhões de pradas - a moeda local - são chamadas também de 1 perdão.

nos botecos, os donos pedem aos seus bêbados que os perdoem.

:: manual

não sei por que fui comprar o manual da fuvest. acho que é um pouco de tentativa de reativar velhos sonhos que em meus planos joguei para o futuro. não sei nem se estarei por aqui ano que vem. a gente se dá umas sinucas engraçadas. posso esquecê-lo ali do lado ou posso preencher a ficha e investir algum tempo nisso...
:: senhora tristeza

ando triste.
farol nesse mundo gps.

02 setembro 2004

:: this blues

essa vida corrida. esses números e logos. essas representações impostas. essa falta de bem querer. essas tentativas frustradas. essa facilidade em desistir. essa dor, esses analgésicos. essa falta de lugar para ir. esse estar perdido no mundo. essa falta de queijo no presunto. esse descaso. essa janela que não abre. esse windows que dá pau. esse telefone que toca tão pouco. esse celular que não existe. essa tremedeira na mão. essa dor nas costas. essa falta de jeito de dizer coisas boas. essa falta de quem ama.

01 setembro 2004

:: café do farol

recebemos bem. o lugar não é espaçoso, mas cabe. as paredes não se movem com facilidade, é necessário um pouco de engenhosidade e imaginação para que todos fiquem bem. as janelas indicam o tempo que passa. os rostos falam de sentimentos que não. não incitamos a embriaguez. ela chega junto com a euforia dos convivas. torramos bem o café, abrimos a janela da cozinha nessa hora, porque os cães gostam e deixam de latir para os gatos.

as telhas do café estão a mostra. a lua inventou artificio para que quando a chuva chegasse o teto toque notas como teclado de piano. pouca gente repara, por causa do próprio barulho da chuva. mas ela sabe e eu sei porque ela me contou. fugimos às vezes do burburinho do salão principal e ouvimos a sinfonia surda. a lua me fita e eu retribuo, sorrimos de um capricho secreto.

quando a temperatura é mais amena, a rua, o quintal, o céu é convidativo. a lua pega uma cumbuca e uma colher e faz um batuque sincopado. é sinal para que todos peguem suas cadeiras e as coloquem do lado de fora. as conversas continuam do lado de fora. todos aplaudem não sei o quê. fico orgulhoso de tanto respeito a mulher que toca a cumbuca.

mas ela não sai. fica na janela. é a hora em que sabemos que não somos nós quem recebe bem. somos nós que nos jogamos para o mundo.

:: rotina parte 2

peguei as coisas velhas - que nem eram tão antigas - e as juntei. revistas, poemas, livros, fotos, pinturas em óleo, quase tudo que representasse as neblinas de outrora. algumas músicas muito boas não tive como me desfazer, mas ouço-as diferente, como se não fossem tão velhas. poderia fazer o mesmos com as revistas, poemas, livros... mas não quero.

depositei tudo isso nas caixas de feira que são mais resistente por serem de madeira. não corro o risco de que se partam enquanto as levo para fora. chamei alguém para vir buscá-las, alguém que possa se apaixonar por essas fotos, pinturas... e desapaixonar também.

as caixas empilhadas me soam um pouco melacólicas. penso no que poderia ter sido e não foi. e agora em outras mãos, talvez essas lembranças façam sentidos menos dolorosos. não sei qual o fim que terão e agora já não me importa mais.

olho para a sala. sorrio porque tenho impressão de que essa nova amplidão representa melhor o coração. dou por mim e percebo que não jogava coisas velhas, mas preparava espaços para as novas.
:: sociologia

querida,

me emociona mto ver vc com tanta alegria. durante o dia, penso nisso e sorrio meio bobo. as pessoas desconfiam da minha cara de bobo, mas não escondo o sorriso. dou-lhes motivos para sorrisos também, mesmo que seja tão ardiloso. não me importo. te sinto em detalhes de maçaneta, neon, avenida movimentada, cheiro impreciso de mar. te vejo na livraria, quase comprei um livro que fala muito de nós. não vou ter tempo de ler, então esperarei o mês que vem quando as férias chegarem. terei o que for preciso. então comprarei e se quiser reparto a leitura. é sociológica, mas também é divertida. imagine: uma sociologia divertida ! este mundo está para nós!