a million parachutes

for us

18 janeiro 2004

:: giulietta

quando você foi embora, pensei que muitas outras coisas estavam terminando também. tenho essa mania de criar relações com tudo. era tão grande o desespero de perder o sentido que já de antemão me sabotava e fazia o resto perder o sentido também. quando você foi embora, abdiquei de todas as suas cores, todas as suas músicas, todos os cheiros e as imagens. no álbum de fotografia, primeiro tirei as suas fotos e as coloquei por último, num montinho. depois joguei o álbum inteiro no lixo. pensei em guardar as suas cartas, mas vendo as suas costas, juntei tudo numa caixa junto com as apostilas do cursinho, os trabalhos velhos da faculdade, os ingressos de cinema, as notas fiscais dos presentes, as revistas e mandei que algum programa de reciclagem os levassem.

fui distribuindo os cds que me deu e os presentes também. tudo para que não restasse mais nada nesse lugar que pudesse ser seu. quando você foi embora, pensei que jogando todas as suas coisas, seus pedaços pudessem se rebelar e quisessem ficar. fiquei dias esperando, tentando entender o que aconteceu. fiz jogos de palavras com poemas e argumentos para crônicas. tentei inventar uma compreensão. e tudo que pude foi dormir, beber um pouco mais e esquecer.

hoje você volta, mas é como se não voltasse porque aqui é um lugar diferente. outros povos guardaram a lenda de alguém que se foi, mas há outros assuntos hoje. hoje a sua chegada é um assunto para encher o que resta das páginas de jornal. quando você foi embora não imaginei que pudesse voltar apenas como uma nota num jornal.

quando você foi embora, lembro-me com dificuldade das trevas que me propus, da falta que me fez nos primeiros dias e da injustiça que cometera. se você foi egoísta, não sei bem, quando você foi embora eu achei. mas todos nós temos esses momentos. agora que voltou, posso indicar apartamentos mais baratos para alugar, mas dificilmente poderei ser seu fiador.

de resto, trago um pão de ló sem cobertura e saudo: bem-vinda.