a million parachutes

for us

30 dezembro 2004

:: o ano que acaba, o ano que chega...

já dizia drummond que a invenção do ano era uma coisa genial. afinal, renovar esperanças, apesar de nos parecer algo muito comum (afinal contamos nossa idade em anos), não é das tarefas mais fáceis. o poeta ainda dizia que o ano começava quando a gente quisesse, não era necessário que esperássemos uma data. um ano poderia durar séculos ou anos, dependia um pouco da nossa vontade de que passasse.

essa época do ano é sempre para mim um momento muito introspectivo. acho que pela calma que sempre foi o período entre o natal e o ano-novo. é um momento em que sem querer eu caio num balanço do que foi o ano e o que está sendo a minha vida. penso nas pessoas que me foram, que me são e que talvez me serão importantes. vivo cheio de planos, mas este ano tenho poucos. poucos mas bons.

apresentei meu tcc esse ano (trabalho de conclusão de curso) e fechei um ciclo na eca/usp. trabalhei duro, mas um trabalho que me ensinou muito. conheci pixinguinha, jacob do bandolim, cartola e outros bambas. assisti à pj harvey e ouvi muito libertines. ouvi jazz também e comprei um trompete. fiz uma oficina literária que me tirou pretensões literárias. voltei a tirar fotos, ampliá-las em casa. baixei muita música e filmes. fui pouco ao cinema, mas fui bem acompanhado. amigos se afastaram, outros tantos chegaram perto. conheci uma lua que me desmonta a terra. escrevi mais do que esperava. ouvi palavras fortes que me amendrontaram. ouvi outras que pediram para seguir. alguns sabem do livro que preparo, outros comentam dos vídeos que prometi. a minha banda não decolou. comprei livros, mas li muito pouco. caminhei muito pela cidade, algumas vezes pelo prazer de andar a noite, outras para procurar um lugar para (ser) um café.

arrependo-me de algumas coisas. mas não a ponto de me angustiar com elas. as angustias tenho de coisas que eu não sei.

a solidão quase me matou esse ano. fica para o ano que vem. o amor resiste. resiste sim.

feliz ano novo a todos! que o balanço seja positivo. nos vemos qualquer dia desses por aí!

29 dezembro 2004

:: as flores

quando eu me for,
não me façam testemunhos ou mesmo festas.
tudo que sou está a mercê do tempo.

estou.

dêem-me flores, mas não essas sem raizes.
dêem-me flores que se agarram a terra
para se libertarem em poros
e retornarem a terra.

se for fazer testemunhos, façam dessas flores.
se for fazer festas, festejem as flores.

e torçam para que as novas sementes
estejam tão a mercê do tempo quanto eu.
:: the blue room



voltando a ouvir coldplay...

. don't panic

nós temos a melhor vida,
estudamos, pagamos conta, lemos jornais.
podemos escolher entre filmes legendados e dublados.
e teremos os filhos mais bonitos.

de manhã, as notícias de ontem.
de tarde, as notícias.
de noite, as notícias do dia.

temos o carro a gasolina, a tecnologia sem ruídos,
podemos encontrar pessoas maravilhosas na internet.
e nos satisfazemos com cereais fibrosos.
abusamos um pouco comprando morangos de atibaia direto do produtor.

lá fora, a violência próxima. mas temos ternura.
temos ainda o azul dos oceanos e podemos de combinar de ir a praia para desafiar as ondas espumantes.
a gente usa camisinha direito. a gente paga a tv a cabo.
a gente vai para boates e compra coisas no ônibus para ajudar.
o avião tem máscaras de oxigênio puro e não me aborreço com balas como troco.

nós temos a melhor vida,
posso te visitar, se quiser.

. bigger, stronger

quero um carro veloz que me faça chegar;
que acompanhe as reviravoltas de sua cabeça;
quero ser tão grande a ponto de você notar
que tamanho e velocidade não fazem diferença.

quero ser mais forte para suportar
coisas difíceis como a indiferença.
ser tão singelo quanto a forma do amar:
ser sua causa e sua conseqüência.

quero ser nada a menos que isso.
quero ser pouco, mas o que for preciso
para te amar com despróposito e em vão.
quero ser tão grande quanto seu coração.

. see you soon

eu sei que você perdeu sua esperança
que anda por aí se esquecendo do que éramos.
o mundo como está parece justificar tantos desencontros
e nem nos incomodamos mais com equívocos
que se justificam por si só.
você fica tentando provar para si mesma
que para tudo há um porque razoável,
escrituras corretas de teorias ainda mais.
sempre vencendo a tudo e a todos
como se estivesse a prova a todo tempo.

eu fiquei assim triste,
mas te verei em breve.
assim, numa lente telescópica,
veremos as esperanças em pó e em estrelas.

26 dezembro 2004

:: the blues

e essa tristeza que nos despedaça a alma.
e essa vontade intensa de ter alegria.
querida, e se for tanta vontade de alegria
que então o que nos resta é tão somente ela - a alegria ?

que o amor vai embora, foge como tantas vezes fugimos.
que o amor é dolorido e tantas vezes acostumamos a ela
e desacostumamos. e esquecemos como é dolorido
que não adianta sabermos coisa alguma.

mas que insistimos porque temos alma a despedaçar,
e fazemos com essa tristeza de dois gumes.
querida, é tanta essa vontade de alegria
que não adianta saber o que é tristeza
quando alegria é o que me faz fugir para você.
:: daniela

de camisola, ouvindo radiohead e pulando na cama, ela me desafia o ano.
:: fim de ano #01

hoje, durante o café, percebi que a minha mão está insensível ao toque. e que o ano que termina pode ter sido corrompido por essa falta de sensibilidade. e que alguns anos mais virão dessa maneira até que eu me desfaça ou promova um modo gentil de voltar a sentir intensamente as coisas. naquela hora queria ter tido vontade de chorar por quem me abandona ou ter uma consciência melhor por quem não sinto tanta coisa. mas não chorei. senti uma solidão arrebatadora que me fez perder o sentido e me fez voltar ao café que ainda precisava de algum açúcar.

25 dezembro 2004

:: luciana

luciana é uma pessoa misteriosa. sabemos muito pouco de sua vida, mas não nos fazemos de receosos em contar a nossa para ela. acho que nunca vi a lu com alguma crise pessoal, pelo menos nunca demostrou estar angustiada com algo. por isso sempre nos sentimos um pouco como na beira do precipicio, sempre esperando que ela nos revelasse algo.

ela sabe escutar muito bem. sabe também organizar o seu próprio olhar e dar um opinião muito sensata e esclarecida. deve possuir seus amores, mas nunca soubemos de alguém que a tivesse abalado. talvez se soubéssemos deixaria de ser luciana.

ando me apaixonando pela luciana, toda vez que a encontro -- em cada seis meses se não for mais -- está cada vez mais bonita. nas poucas oportunidades em que nos falamos hoje em dia presto atenção em suas palavras e espero pelo riso farto e raro dos tempos da faculdade. não sei quanto tempo vai levar para revê-la. talvez em algum aniversário, talvez no natal que vêm. até lá terei esquecido dela no dia-a-dia, para ter todas esses sentimentos condensados densamente e chamar saudade toda vez que alguém perguntar por ela e eu responder:

-- está bem. está linda.
:: eternity

em grande parte das civilizações orientais não há o verbo ser.
questões ontológicas soam praticamente caprichos.
o ocidente construiu toda sua ciência em cima desse verbo.
a lógica e o empirisimo se baseiam ou propõe afirmações que vençam o tempo.
dois mais dois é igual a quatro.

por aí vocês entendem a encrenca em que estou metido.

24 dezembro 2004

ana,

é natal, ana. veja só. mesmo que me digam que o mundo inteiro está envolvido num consumismo desenfreado, talvez haja alguns gatos pingados com boa vontade. essas datas não nos servem para muita coisa, mas talvez o mérito seja a lembrança de que, apesar dos pesares, temos escolhas. resolvi aprender a nadar, porque decidi que de água não vou morrer. também decidi que da bete (o meu trompete) tirarei notas musicais bonitas. se essas coisas acontecerão, não posso dizer. mas ninguém vai poder me dizer o que sentir.

lá fora é uma vida, né? e talvez essa vida se integre melhor a nossa. lá fora vai ser como aqui dentro. e os tempos que contamos serão outros. outro dia, ana, achei que meus cabelos estavam caindo. o ralo do chuveiro quase entupindo. mas ele continua crescendo com ferocidade. a gente tira exemplos até de alfinetes e fotos 3x4. a questão é se a gente se segue. a gente é muito independente para ficar seguindo exemplos, né? então a gente fica perseguindo liberdades alheias desejando que nos pertencessem. mas, ana, é natal. não falaremos de liberdades.

vamos falar de uma neve que nos é indiferente. ou de como as lágrimas se tornam tão temperadas nessa época, seja por causa da solidão, seja por causa de quem nos aquece sem querer. feliz natal, ana. feliz. ana, felicidades. ana.

márcio

:: aniversário

hoje faz 2 anos que o parachutes está no ar. muita coisa aconteceu, né? as letras não parecem as mesmas, mas o coração é o mesmo. agradecimentos para quem visita este meu canto. quero comemorar um pouco.

22 dezembro 2004

:: before

você não quer correr o risco de uma vida cheia de significados.
você não se atreve a blasfemar contra a beleza bem dita.
você não quer conversar horas a fio sobre detalhes, toalhas, receitas e bebidas geladas.
você não sabe se vai ter onde cair morto.

(algumas passagens de horas são infinitamente mais desgastantes que outras mas você prefere os segundos contados aos perdidos com bobeiras como tamarindos, trompetes, queijo gorgonzola, amor e amplificadores de guitarra).

você terá uma vida com poucos sofrimentos.
você será amado mais que sua capacidade de amar.
você fará uma boa macarronada com segredos de noz-moscada.
você terá mais de um cartão de crédito.

(e não importa muito o respiro diferente que se faz ao cantar, ou a letra feia de quem escreve com tanta falta e demônios, ou quem leva a vida como um risco e/ou benção desconfiada, não importa muito).

você é o inverso da paixão esquisofrênica.
você é um samba que deixou de acontecer.
você é felicidade plena e inequívoca.
você aconteceu, sempre aconteceu e acontecerá.

(mas não me leve a mal).

20 dezembro 2004

:: trompete

elisabete me faz respirar diferente.
:: love

o que sei sobre o amor?
é que não se escreve como se lê.
:: chuvas

querida,

durante as chuvas que começam a cair em são paulo, tenho impressão de que vivo um momento em que o tempo corre mais lento. a pressão baixa um pouco e sinto mais sede. chego a querer pentear o cabelo e ler com mais cuidado o jornal. os carros nas pistas nervosas não andam. o ônibus não acompanha o fluxo das águas. o metrô está cheio e mais impessoal. alegro-me quando algum azul consegue se revelar entre as nuvens. alegro-me quando vejo luzes fugidias da sua lua. do mais, é o barulho da chuva confundindo-se com o walkman. do mais, é eu pensando nas palavras que você escreve e que me soam secretas.

a chuva vai levando os meus dias lentos. a luz do sol acelera a vida corrida. nos meus lábios, sejam secos, sejam úmidos, fica seu nome a duas ofegações de ser dito.
:: Os Barcos

Pedro tinha cara ossuda, grave como seu pai. E assim como seu pai, Pedro era pescador. Quando sua mulher estava grávida, Pedro tinha construído um outro barco, menor do que o utilizado para o ofício. Chamou-o de Prestes. Joana nasceu numa tarde quente e deu trabalho para parteira. Depois disso, a mulher de Pedro nunca mais pôde ter outro filho. Pedro se achou azarado.

Joana cresceu sem muita atenção do pai. Era a mãe quem a preparava para a vida. A vila onde moravam foi mudando, os peixes estavam cada vez mais longe. Pedro levava consigo Prestes sempre achando que precisaria dele porque o dia podia ser de fartura. Muitas vezes voltava vazio.

Joana acompanhou as mudanças e como os peixes quis ir embora. Foi nesse momento que Pedro deu atenção a Joana e a trancou no quarto. Disse que ela aprenderia a pescar ou a fazer rede ou qualquer coisa que o valha, mas tinha que ajudar a casa. Ela pulou a janela, pegou Prestes e fugiu. Encontraram o barco numa praia próxima, quebrado por ter batido em alguma pedra. A mãe de Joana chorou meses, Pedro também, apesar de não parecer.

Receberam notícias de Joana um ano depois. Estava bem, conseguira um emprego e estava estudando. Trocaram correspondências ralas. Pedro não sabia ler, nunca aprendeu.

Joana voltou a velha casa muitos anos depois, estudada e com boa vida. Trazia consigo, Marcelo, seu filho. Quando chegou a vila, não a reconheceu. A maioria dos pescadores haviam se tornado vendedores de alguma bugiganga e a praia estava cheia de turistas. A casa foi pintada com cores fortes pela Prefeitura.

Prestes estava ao lado de casa, ainda quebrado.

A mãe de Joana a reconheceu, mas não falava coisa com coisa. Pedro, seu pai, apareceu e disse que sua mãe já estava há algum tempo louca. Joana abraçou seu pai e apresentou seu filho. Pedro sorriu com leveza o que agravou a cara ainda mais ossuda dos tempos.

-- Vou consertar Prestes.

Joana não gostou. Mas foi desfazer as malas e colocar Marcelo para dormir. Mais tarde foi ter com o pai:

-- Pai, não precisa consertar Prestes. Marcelo não vai ser pescador.

Seu pai sorriu de novo e disse que não era o caso. Prestes serviria só para atravessar a praia sem precisar passar pelos turistas e que dessa vez ele resistiria às pedras e poderia ir mais longe.

p.s. não é lá um texto bom. é mais um argumento. mas gosto da história... vou recontá-la melhor, por agora fica só o registro...

19 dezembro 2004

:: contemporânea

a prica me ligou pela manhã para irmos a loja contemporânea assistir uma roda de choro. tinha me esquecido e marquei horário no centro cultural onde trabalho. ficou aborrecida. mais a tarde, ela me liga de volta agradecendo a dica. pediu perdão pelo suposto modo grosso com que desligou o telefone. disse que nem havia percebido e que eu pedia desculpas pelo esquecimento.

em dias como esses, nem percebemos as formas e tamanhos das tempestades de que nos safamos só porque nosso gostar é maior que nossas imperfeições.
:: seja lá onde for alabama...

we lived our little drama, we kissed in a field of white
and stars fell on alabama that night
i can’t forget the glamour, your eyes held a tender light
and stars fell on alabama last night

i never planned in my imagination, a situation so heavenly
a fairy land that no one else could enter
and in the center, just you and me, dear
my heart beat like a hammer, my arms wound around you tight
and stars fell on alabama last night

17 dezembro 2004

:: caixa de sapatos

faz um ano que a ana e eu nos correspondemos. nossas cartas estão na caixa de sapatos. as cartas tinha uma freqüência mais assídua, mas hoje em dia ela refleto os nossos ânimos. resolvemos, para comemorar, publicar cartas dos leitores que acompanham as tais cartas. quem quiser escrever, envio-nos uma carta para:





16 dezembro 2004

:: querida

. andar nos contornos que a maré faz na areia . conchas para fazer colar . os pés pressentem onde começa e termina a praia . mas no coração os limites são diferentes . não se sabe onde eu começo e você acaba .
:: do caderno de antonio januzelli

lá pelas tantas, depois que a garrafa se esvaziou, duas mulheres nuas fazendo biquinho perguntaram o que havia de ser feito para que os cabelos ficassem flamejantes mas não soassem ruivos. com a minha grande experiência em pintar gramas de futebol e com a propriedade de quem mexe certo com fósforo e fogo, aconselhei pelo método srilankano no qual o vermelho de fogo era obtido através do gradual uso de flores de amoras minutos antes do shampoo usual. as duas mulheres nuas me beijaram os cilios em agradecimento, sem mesmo ter se dado ao empirismo comum para tais receitas. eu lhes sugeri ainda um creme a base de abacate e roupas para que não pegassem alguma friagem.
:: elouquencido

acho que estou surtando. juro que vi um cachorro voador.

15 dezembro 2004

:: mean to me

estava sentado no banco, esperando que o metrô chegasse. a respiração ficava cada vez mais difícil. tombou a cabeça para trás para que sua traquéia se acalmasse. tinha tido uma vida boa, pensou. mais orgulhou do que se arrependeu. estava convicto de que as roupas surradas e sujas não representavam sua condição e justiça. na mão direita, a mão esquerda dela. virou-se um pouco, ela sorriu e pedia com a mão cada vez mais apertada que procurassem ajuda. ele agradecia a preocupação com uma brincadeira nos dedos e a fidelidade, cantarolando um tema que só a ambos era compreensível. os trens iam passando.

num momento de mais fraqueza dele, ela conseguiu carregá-lo para dentro de um dos vagões. o balanço da viagem fazia crer a ela que não conseguiriam. ele alentava:

-- você é meu acidentezinho.

ela sorria serena, um momento a revelia de sua angústia. a respiração dele se acalmou, ficou sério. ela falou que logo chegariam, faltavam três ou quatro estações. ele pensou que a vida lhe fora boa, mas ele talvez não tenha sido tão bom com ela. sabia algumas coisas mto bem e as coisas que não sabia procurou aprender. fez o que aspirava na medida que pôde. só os óculos que foram um equívoco não usar. ela estava linda, ele nunca havia visto olhos tão significativos. as bochechas salientes, ensaio de risos. o livro que estava escrevendo sobre a história do riso estava inacabado. mas a dedicatória estava lá.

-- quer namorar comigo?

-- quero. ela respondeu.

ele morreria uma semana depois com uma dor que os remédios não puderam lhe tirar. e ela não pode deixar de lembrá-lo toda vez que lhe falta ar.
:: cartola

preste atenção: o mundo é um moinho.

14 dezembro 2004

:: alianças

e eu com essas esperançanzinhas bobas... será que ela casa comigo? porque viver só é opção. dividir açúcar, o sofá, o papel higiênico, sabonete, a cama... dividir as contas de casa, o gato e os temperos do jardim. somar sonhos à prestação. fundo de garantia, emprego estável e plano de saúde. qualidade de vida. deixar que cuide e se deixar cuidar.

organizar jantares, tirar fotos. registrar em palavra e cinema o que a história não se importará de não contar. dedos, falanges, pescoço, pentear o cabelo, cuidar da pele, lavar os pés que não são só seus. o armário comum, a banheira comum, o passeio comum e todo os significados comuns. as invenções, as brincadeiras, as leis e os sentimentos. e eu com essas esperançanzinhas bobas...

ela vai casar com outro. alguém com poucas esperanças e mais realidade. porque alianças a gente faz a dois e não esperando sozinho.


13 dezembro 2004

ana,

há algum tempo que não lhe escrevo. eu poderia dizer que nem há tantos acontecimentos que pudessem ser noticiados ou que me faltou um tempo adequado para lhe escrever como se deve. mas o fato é a ausência, é pela falta do que dizer. não sei mais falar do jardim sem que soe jocoso ou aborrecido para você ou contar sobre algumas esperanças que sempre há por aí sem que pareça desafeto.

há tanta falta entre nós que me parece uma bobagem tamanha fazer graça. a vida tem andado muito séria e isso me amedronta.

já gravei os cd´s da ella fitzgerald e do wynton marsallis. envio-os assim que passar pelo correio. essa carta vai antes graças as tecnologias. antes também envio outra carta, mais amiga e que tenha melhor tato. leia-a em um bom dia de sol e lembre-se de mim com alegria.

márcio
:: do outro lado

do outro lado da rua, passa uma menina que deve ter me amado muito. não me lembro de suas delicadezas, mas seus arrombos das quais fiz graça. ela passa, nem me vê. porque eu mudei e ela também, provavelmente. nem deve ter sofrido tanto a minha indiferença, pelo menos é o que acho quando se é muito jovem. as feridas cicatrizam mais rápido e não somos tão tolos de mantê-las abertas. quando jovens, mercúrio-chromo é refrigerante. eu a vejo passar do outro lado da rua, sem cicatriz alguma.

e esses encontros... são desencontros?

:: O Farol

Na estação de trem havia muita correria. Márcio conferiu as passagens e a plataforma. O trem estaria pronto às 14h30. Procurou na multidão que se movia, um lugar fixo, um banco para poder descansar. Conferia de quando em quando o grande painel que dizia quando chegavam e quando saíam os trens. Lia todos esses nomes de cidades procurando algum que lhe fosse familiar. A voz interna da estação lhe educava a fala, o sotaque. Suas roupas enganavam, mas seus olhos não: era a primeira vez que passava por ali e procurar por significados não é coisa de quem é conviva do lugar.

Uma mulher sentou-se ao seu lado. Colocou a bolsa sobre o colo e conferiu as passagens. Márcio percebeu que estava chegando porque o bilhete já estava picotado. Ela tirou um livro muito antigo, olhou em volta e o viu. Sorriu por educação, voltou ao seu livro e descansou as costas no moldar do encosto do banco. Márcio a observou por alguns segundos mais, de relance. Pensou se ela era a típica mulher londrina, quando a voz da estação falou o do nome do que parecia seu destino. Voltou-se ansioso para o grande painel, mas não encontrou hora ou local que lhe indicasse plataforma. Ficou ainda mais nervoso. Resolveu perguntar a mulher ao lado:

-- Por favor...

Ela virou-se solicita. Ele lhe mostrou o bilhete.

-- É esta a plataforma correta?

Ela respondeu que sim e que pontualmente o anúncio de embarque era feito 20 minutos antes.

-- Está cedo. Não se preocupe, há atrasos, sim, na Inglaterra.

Ele sorriu de agradecimento e perguntou por quem esperava.

-- As malas... quer dizer os baús. Como não tinha malas grandes, trouxe baús e os homens da companhia ferroviária deixaram por último no carro bagageiro. Disseram-me que me avisariam quando levassem para fora da estação.

-- E por que espera por aqui?

Ela achou graça.

-- Não gosto de multidões, mas estação de trem é um lugar muito diferente, um lugar de passagem. Ninguém fica por aqui além de seus funcionários. Aqui é o lugar fixo do tempo que passa. Assim como eu que vou me embora daqui a pouco. Gostaria só de me sentir fixa, um pouco. E você, por aqui está aqui?

-- Estou indo para uma cidade na costa oeste, vou atrás de um farol que me é importante.

-- Então conhece o interior da Inglaterra?

-- Não, é a minha primeira vez aqui. Vou atrás de um farol que li em um livro que me afetou há tempos atrás.

Ela guardou o livro na bolsa.

-- Por que um farol é tão importante?

-- Na época, comovi-me pelos personagens, mas hoje em dia só me lembro da descrição do farol. Quero reler o livro por lá. Tenho em mim a lembrança de como me afetou e um enredo básico. Não me deti a detalhes ou não incorporei. Quero saber se vai ser muito diferente.

-- Uma busca?

-- É, uma busca.

-- Não é muito de fazer buscas, não?

Ele se encabulou.

-- Conheci um farol há tempos atrás. Ficava numa praia que tinha um porto muito pequeno. Soube que hoje em dia não há nem pescadores. Por lá moravam famílias que visitavam esse farol e davam manutenção. Minha mãe me disse uma vez que eu adorava passear por lá. Mas não me lembro. Fico imaginando se eu fui feliz por lá, já que não há lembrança que ficasse. Assim como eu penso se há felicidade ou coisa parecida em ficar viajando de trem quando há aviões. Ou se a minha filha se interessará por livros ou por viagens como a sua.

O olhar dela se perdeu na multidão. Voltou-se a ele e perguntou:

-- Conhece o funcionamento de um farol?

-- Nunca vi um em vida ou não me lembro de ter visto realmente. Tudo que sei vem de filmes, livros e enciclopédias. Acabo inventando um para mim com todas essas informações. Invento as linhas, mas me faltam os detalhes, as ferrugens, as necessidades.

-- Inventar é importante. Senão como passaríamos o tempo? A minha filha quando era pequena inventava jogos em dobraduras de papel, esperando que a hora da escola chegasse. Eu inventei de ficar aqui sentada e você inventou uma viagem por causa de uma busca. A invenção acaba dando em outras coisas que a gente não inventou. Os inventores do farol nunca imaginaram que cairiam em desuso e que outros dariam outro sentido ao que se chama farol.

-- É estranho que muitas das coisas que conhecemos já tiveram outra função ou que terão outras que nem imaginamos.

-- É sim. Esse livro que carrego foi um caderno de um amigo e hoje me é um livro.

Mostrou a ele. Era um caderno velho, cheio de rabiscos, textos curtos e desenhos a mão.

-- Olhe este desenho. Parece um farol. Ele disse.

-- Para mim sempre foi um poste. Mas vou me lembrarei do que disse.

A voz da estação anunciou o destino de Márcio e no painel ambos viram que chegou a vez.

-- É a sua chamada.

-- Posso saber o seu nome?

-- Woolf. Sra. Woolf.

-- Muito prazer em conhecê-la e obrigado pelas informações.

-- Não há de quê. Posso saber de onde vêm?

-- De São Paulo, Brasil.

-- São Paulo... Bem-vindo a Londres!

Ambos riram.

-- Em São Paulo não há praias.

O homem da ferroviária veio e lhe informou que os baús estavam no carro. Ela lhe deu gorjeta, virou-se para Márcio e disse:

-- Não é preciso praia para se ter um farol.

E ela se foi. Márcio ficou ainda alguns minutos no banco esperando pela última chamada. Observou bem a estação e seus passantes. Levantou-se, embarcou e inventou de que chegaria logo.

Márcio Yonamine dez 2004

p.s. esse foi o último exercício da oficina literário que estou fazendo. hoje é o último dia também da oficina.

11 dezembro 2004

:: parachutes.radio.station.01



vou colocar de novo o parachutes.radio.station no ar, mas agora em forma de playlist. assim fica bem mais simples eu manter o lance. serão dez músicas por semana que eu comento aqui no blog... espero que gostem.

1. lullaby + martina topley bird :: ouvi essa música num comercial de perfume da tv. gostei mto do clima e da voz da cantora. procurei na internet e baixei. lembra mto a erikah badu. se puderem, procurem por "need one" que é bem funk. coloco na próxima edição.

2. killer cars + radiohead :: a versão original do disco "pablo honey", o disco de estréia dos caras. acho essa música mto explosiva. dá vontade sair pulando. "it could be last that you see me alive!".

3. painter song + norah jones :: a norah jones passou pelo brasil e dizem que foram shows ótimos. não pude ir pq o ingresso tava pela hora da morte. mto caro. a norah jones é uma dessas poucas cantoras novas que bebem da boa música americana, mas sem parecer tão retrô. sua voz suave nem parece de uma menina de 24 anos. soa mto madura, calma.

4. o caroço da cabeça + os paralamas do sucesso :: essa é uma dessas músicas que ninguém conhece, daquelas que ficam no "lado b do cd". "os lábios são duas almofadas de beijar..." a letra é espertíssima e delicada. composta junto com o nando reis.

5. all star + nando reis e os infernais :: disco ao vivo do ex-titã. é bom o disco. essa música em especial é fodíssima. confesso que prefiro na voz do próprio nando reis do que da cássia eller. "estranho seria se eu não me apaixonasse por você".

6. cochichando + paulo moura e os batutas :: pixinguinha é um gênio. essa música ele compôs em homenagem ao cochico das mulheres dos instrumentistas que tocavam nas rodas de choro que frequentava.

7. please sister + the cardigans :: o cardigans fez mto sucesso com a música do filme "romeu+juliet", o "lovefool". o último disco "the long gone before daylight" é mto diferente. é melancólico e até mto sério. mas mto bom.

8. stars fell on alabama + ella fitzgerald & louis armstrong :: essa é a minha dupla favorita de cantores. essa música linda começa com o seguinte verso "we live a little drama..." e vai como uma homenagem a bete, a trompete que acabei de comprar.

9. nunca diga + frank jorge :: a versão original de uma música conhecida pelos caras do pato fu. eu particularmente acho a versão original mto mais divertida.

10. jealous guy + elliot smith :: uma cover do cara que faleu esse ano. a versão ficou ótima, talvez mais delicada que a original do jonh lennon.

08 dezembro 2004

:: divertimentos

isso aqui está perdendo a graça, né?
:: namorada

arranjei uma namorada. dei-lhe beijos, mas ela não diz coisa com coisa. nisso percebo que ela quer um tratamento mais carinhoso, dedicação e um toque mais sutil nos seus pistões. trompete, vou lhe chamar de bete daqui para frente.
:: 20:49

lendo alguns textos antigos. ouvindo coldplay. tentando tocar trompete.

07 dezembro 2004

:: far away

o que é a queda?
é a volta repentina para o começo.
:: ?

será que eu consigo planar?

06 dezembro 2004

:: leila

você me parece alguém que não veio
e que quer ficar.
:: love

talvez o amor seja essa feliz harmonia de passos que caminham para o mesmo lado, de bocas que pontuam o necessário e de mãos que ditam o ritmo.

talvez o amor seja essa esperança descabida de que os olhos nunca enfrentarão uma cegueira e que o reconhecimento tenha qualquer coisa de poético.

talvez o amor sejam os planos escritos a duas salivas. talvez seja uma fé incorporada ou sonhos de eternas alvoradas. talvez seja uma janela, um farol, barcos de papel.

talvez o amor seja um barco de papel.
:: soul parsifal

estou ouvindo essa música. ouvi bastante há tempos atrás. hoje me faz outro sentido, mas é como se voltassem as tristezas. estou cansado. não quero desistir, mas chega momentos que faltam forças. penso no meu coração. será que merece tanto dissabor? o melhor é deixá-lo em paz. ultimamente, tenho o achado velho e cansado. deixe-me em paz. e eu não o deixo. nem com o coração eu me entendo e talvez seja melhor que o deixe. nessa manhã tão clara, tão objetiva, em que a vida dá todas as razões para continuar sorrindo, vou deixar para lá, vou me resguardar e esvair a tristeza em fluidos. e se alguém me chamar, diz que fui comprar agrados para ver se coração volta.

ninguém vai me dizer o que sentir
meu coração está desperto
é sereno nosso amor e santo este lugar
dos tempos de tristeza tive o tanto que era bom
eu tive o teu veneno
e o sopro leve do luar

porque foi calma a tempestade
e tua lembrança, a estrela a me guiar
da alfazema fiz um bordado
vem, meu amor, é hora de acordar

tenho anis
tenho hortelã
tenho um cesto de flores
eu tenho um jardim e uma canção
vivo feliz, tenho amor
eu tenho um desejo e um coração
tenho coragem e sei quem eu sou

eu tenho um segredo e uma oração
vê que a minha força é quase santa
como foi santo o meu penar
pecado é provocar desejo
e depois renunciar

estive cansado
meu orgulho me deixou cansado
meu egoísmo me deixou cansado
minha vaidade me deixou cansado
não falo pelos outros
só falo por mim
ninguém vai me dizer o que sentir

tenho jasmim tenho hortelã
eu tenho um anjo, eu tenho hortelã
com a saudade teci uma prece
e preparei erva-cidreira no café da manhã
ninguém vai me dizer o que sentir
e eu vou cantar uma canção p'rá mim

05 dezembro 2004

:: video novo no parachutes.tv

video que fiz a partir de imagens que gravei da casa nova da nívea. assistam!

clique aqui


:: you never cared to look inside

comprei um porta temperos.
você nunsa soube que eu quis um porta temperos.
também não vai provar mais da minha comida
seja boa ou ruim.

04 dezembro 2004

:: compras de fim de ano

comprei um terno. uma camisa social e uma gravata. na minha falta de experiência de comprar essas coisas, o dono da loja perguntou:

-- o terno ficou bom?

-- ficou sim. não estou muito acostumado a usar terno.

-- é bom. tem que começar a usar.

há alguns anos pensaria que terno realmente não tem a minha cara. hoje em dia, a cara adaptada aos tempos, nem parece se incomodar desde que lhe caiba.
:: 2 anos de parachutes

esse mês, o parachutes faz 2 anos. lembro-me de quando nasceu. véspera de natal. não era esperança, mas um pouco de melancolia. muita coisa aconteceu, mas nem parece tanto tempo. tem gente que desistiu daqui, tem gente que sabe que existe, tem gente que acha que é perda tempo, tem gente que encontra coisas que eu nem sabia que existia. é um lugar especial para mim, não discordo. já teve tantas razões para existir que se não tiver nenhuma agora, não importa.

aqueles que me conhecem um pouco sabem que há aqui nessas linhas muito de mim. aqueles que me conhecem um pouco mais sabem que há muito deles próprios também. é um rastro de que existiu algum tipo de vida... pegada na areia que o mar levará. para aqueles que visitam sempre, meu agradecimento pelo tempo perdido e uma prece por algum tempo encontrado.

=)

02 dezembro 2004

:: telefone

um pouco desanimado hoje... o telefone não tocou, faz um tempo que ele não toca. nenhum email hoje, uns dois na semana. sinto-me longe. convidem-me para um café, contem-me como tem passados. hoje olhei absorto ao céu e entendi que a igualdade dos dias está na solidão de quem ama.
:: cais


quando eu vi essa inclinação que vai para o mar já tinha na cabeça que o japão é um lugar de muitos suicidas. comentei indiretamente isso com uma amiga. ela disse indiretamente também que sou muito ingênuo, que um suicida se joga da parte alta e não entra aos poucos na água. aquela inclinação era para os que desistem voltarem a terra.