a million parachutes

for us

19 janeiro 2004

:: karilla

karilla voltou do coma ontem a tarde. ficou perdida no tempo por 3 anos e meio, desde de um acidente de carro na imigrantes. karilla tem esse jeito como se todos fossem meigos com ela. não sabe diferenciar espinhos de flores.

conheci karilla um pouco antes. era amiga de vanessa, uma menina por quem eu era interessado. lembro-me do quanto evitou que ficassemos juntos. eu a odiava por isso. mas quando ficamos, chamou-me num canto e disse:

-- a vanessa é uma pessoa muito carinhosa. não tenha medo de ser também. ela é divertida e gosta muito de você. pensei que você fosse um espertalhão, mas acho que estava errada.

e dito isto, ficamos amigos. talvez fosse a pessoa que mais apostava na gente. mais até que nós mesmos.

vanessa e eu nos afastamos um pouco depois do acidente de karilla.

fui visitá-la hoje. percebi em seu rosto magro os anos que o coma lhe roubara. tinha ainda uma cicatriz no braço que ficava fitando, como se não fosse sua. pensava que alguém lhe pregara uma peça. entrei rápido no quarto porque havia prioridade para os familiares. reconheceu-me, sorriu. cheguei perto e pegou minha mão, ainda estranhando a sua própria mão.

falou-me de vanessa e como ela é carinhosa. mesmo que ela, karilla, e eu soubessemos que vanessa não nos era mais tão comum. talvez temesse que todas as coisas passadas já não fizessem sentido, não reconheceria e não seria reconhecida. percebi um olhar inseguro ao ver o resto dos familiares. apertei forte sua mão e disse:

-- a gente continua de onde parou.

e por um momento ela parou de diferenciar os espinhos das flores.