a million parachutes

for us

31 outubro 2004

tathy,

deve ser assim como mesmo você mesmo diz: um não-estado de fúria e torpor e confusão e coisas coloridas que soam caramelados ou românticos. só existe essa cicatriz acima do meu olho esquerdo que me dá alguma noção de realidade. já pensei em sair gritando numa tempestade cheia de chuvas, raios, barulho e ofegação. aproveitaria-me da surdez da chuva para sair gritando porque não seria ouvido (não quero que me ouçam também, deixem-me só quando preciso) ou arrancaria minha pele sob a água que aliviaria com sua temperatura as peles que arranharia (sei também que a chuva tem seus ácidos que mesmo que orgânicos, queimam).

tenho dúvidas do que é melhor para mim. não sei se o que eu quero é o melhor para mim. já pensei na felicidade alheia, mas é o melhor para mim? talvez não haja ninguém que mereça meu ódio porque se o ódio é tão irmão do amor, esse sentimento deve ser dado a quem merece de verdade. não sei o que é felicidade.

gosto dos seus pés. eles mudam mais lentamente que os cabelos. acostumo-me melhor a eles. o cabelo é sempre uma surpresa. os seus pés são como um ódio a ser conquistado. os cabelos mudam segundo as chuvas. secar faz muita diferença. já colocou os pés em água quente temperada a sol grosso? é como se fosse um não-estado só que dolência. a gente quase sente falta da dor.
:: nunca diga _ frank jorge

querida nunca diga
que eu tenho mal gosto
e saiba que o belo da vida
ainda está pra nascer
querida por favor
olhe bem em meu rosto
e tente enxergar o que os outros
não conseguem ver
fui lhe mostrar
um disco que eu comprei
de um cantor
que eu sempre gostei
mas você
não me deu atenção
e voltarei pra casa
pelo mesmo caminho
escutarei o meu disco sozinho
dentro do meu quarto
na escuridão
querida por favor
olhe bem em meu rosto
e tente enxergar o que os outros
não conseguem ver
e tente enxergar o que os outros
não conseguem ver
:: ghost limbo

falta em mim a boa qualidade dos fantasmas: de ser estragema para o calabouço dos medos.
:: kafkaniano

“A simples possibilidade de escrever cartas deve ter provocado – sob um ponto de vista meramente teórico – uma terrível desintegração de almas no mundo. É, com efeito, uma conversação com fantasmas (e para piorar não somente com o fantasma do destinatário, porém também com o do remetente) que se desenvolve nas entrelinhas da carta que se escreve, ou ainda em uma série de cartas, onde cada uma corrobora a outra e pode referir-se a ela como testemunha. De onde terá surgido a idéia de que as pessoas podiam comunicar-se mediante cartas? Pode-se pensar em uma pessoa distante, poder agarrar-se a uma pessoa próxima, tudo o mais fica além das forças humanas. Escrever cartas, contudo, significa desnudar-se diante dos fantasmas, que esperam isso avidamente. Os beijos por escrito não chegam a seu destino, são bebidos pelo caminho pelos fantasmas. Com este abundante alimento se multiplicam, com efeito, enormemente. A humanidade percebe-o e luta por evitar isso; e para eliminar no mais possível o fantasmagórico entre as pessoas e conseguir uma comunicação natural, que é a paz das almas, inventou a estrada de ferro, o automóvel, o aeroplano, mas já não servem, são evidentemente descobertas feitas no momento do desastre, o bando oposto é tanto mais calmo e poderoso, depois do correio inventou o telégrafo, o telefone, a telegrafia sem fios. Os fantasmas não morrerão de fome, e nós em troca pereceremos.”

Parábolas e Fragmentos e Cartas a Milena de Franz Kafka. Págs. 208-9, Ed. Ediouro., Tradução de Geir Campos.

28 outubro 2004

:: lots and lots of love

vamos inventar alguma poesia do que nos resta?
vamos?
assim como quem desfaz retalhos para coberta não planejada,
doce de receitas variadas com ingredientes adaptados,
coletânea possível de programação dominical de rádio,
desenho com cores que sobraram dos tocos de lápis,
violão com 3 cordas arrebentadas,
teclado desconfigurado,
falta de coordenação para tatear e enxergar.
vamos?
assim como quem inventa um coração
repleto de aurículos e ventrículos,
mil litros de sangue oxigenado.
e uma respiração forte
que abarque tanta falta e invenção.

27 outubro 2004

:: anas

ana são muitas
anas que é só.
há tantas anas
para amar
que não se sabe
qual delas
lhe amará.

mas ana alguma
lhe amará
porque ana são muitas
e se não forem as muitas
a lhe amarem
a ana só não fará.

porque as anas se amam
e não precisam
que as amem aos pedaços
de ana que é só.
a ana são muitas
mas ainda poucas
para tanto amor
da ana só.
:: you can´t be mine

e se algum dia você me amar, será por um dia.
um dia longo e talvez dolorido. um dia desses
para ser esquecido pela confusão que isso causa.
:: café do farol

se você quer beber apenas um café,
desses que se toma na pressa,
para alimentar ainda mais a pressa,
não adiante vir ao café do farol.

lá não há bebida ou quitute
que se saboreie sem a devida atenção.
nesse lugar, você se apoia e descansa
em cadeira, balcão ou corpo alheio.

a vida passa do lado de fora da janela,
a lua passa no meio dos frequentadores,
o coração passa a esmo entre paredes,
mas o café do farol não passa.

se você quer alguma leveza,
ou só um bom lugar para papear,
venha provoar do bolo de coco da lua,
ou ouvir boa música no café do farol.

25 outubro 2004

:: gmail

alguém quer?

24 outubro 2004

:: ?

não entendo por que minha mão voltou a tremer...
:: parachutes.tv.balaio.de.gato

tem vídeo novo no parachutes.tv: o grupo de choro "balaio de gato". são três irmãs (muuuuito novas) e o pai. o grupo tocou várias músicas, mas no vídeo está uma composição do ernesto nazaré. vale a pena!


23 outubro 2004

:: pesadelo

tive um desses pesadelos angustiantes, de deixar a alma nua. não tinha monstros ou qualquer ser imaginário. estavam lá pessoas que eu conhecia e a presença das que eu ainda não. era o aeroporto, mais parecido com os dos filmes do que os que conheço. alguns amigos carregavam malas, tinha uma mochila que eu pensei em comprar outro dia. estavam descontraídos, chinelos, quase pijamas. tinha uma parede-janela por onde se via os aviões, pássaros gigantes e barulhentos. de quando em quando me vinha esse tranco do pouso e a pressão da decolagem. mas estavam em terra firme.

deram-me as malas. despediram-se. virei para uma amiga e disse com cara de menino chorão de que não queria mais ir. me esqueci dos motivos por que ia. achei que o mesmo impulso que me fez pensar nessa idéia, me fez também abdicá-la.

acordei palpitante. todos as minhas razões para ir se dissolveram. a cabeça estava com medo, mas o coração ficou calmo. os olhos doíam por causa da luz do sol que entrava pela janela. mas eu não fechei. não preciso fechar. e estou com medo ainda.

20 outubro 2004

:: escrita revisitada

sua escrita amorosa, em minha pele, é alfabeto sem vogais.
abre espaço entre pêlos grossos e disformes.
faz tensão e corrompe a fome, virilha, a barriga.
toco sua nuca, é um sim. segura meus cabelos, é um não.
é um código secreto e diz respeito ao nosso tato.
com a ponta dos dedos me revela tua libido,
com a palma, a presença.

a cicatriz escondido nas minhas sobrancelhas grossas,
você repara e inventa histórias sobre guerras.
o seu seio torto, eu refaço em movimentos ainda mais tortos,
quero lhe dizer que leio e escrevo.
para você, não há significado que ultrapasse a pele.

onde você está além da fluidez dos líquidos? pergunto.
por que tanto pêlo? por que tanta paciência? retruca.
caminho para transbordar, mas te perco.
grita para que compartilhemos, me procura.

percebe então que nos meus olhos puxados nos desencontramos.
me beija. não foi bom. sou desajeitado. me beija de novo
como se nossa língua fosse a saliva espera de um significado comum.
e no beijo digo que não sei lhe escrever.

:: parachutes.tv.solitude

vídeo novo no parachutes.tv: solitude.


:: felicidades

querida,

não sei se é hoje o seu aniversário. não sei de muita coisa. aparaceste do nada como estrela nova no céu. há tantas, reparo. mas tinha cor diferente (azulada) e pulsava (querendo firmar). pouco a pouco foi se tornando o cinema de meus olhos. inventamos um farol como um sentido. mas o farol é só representação do que és: guia e esperança de chegada. estamos perdido, sei bem. mas é preciso estar perdido para ser encontrado. não sou muito de querer me encontrar. tenho medos, muitos. mas gostaria de encontrá-la para ver se me reconhecerá.

muitas felicidades. e tens muita, querida. és uma pessoa linda de um coração imenso que quase não lhe cabe. é o tamanho do coração que dificulta respirar. mas a vida tem seus tempos e velocidades. hoje é um dia para acalmar-se, para limpar o tanque de diesel do farol, passar um café e assar um bolo. é um dia para tirar a mão do rosto, o cabelo, fitar o próprio dia, fechar os olhos e enxergar o infinito.

não sei se é hoje o seu aniversário. não sei de muita coisa. mas sei o quanto lhe quero felicidades.
:: sou um quero-quero

-- piu!

19 outubro 2004

:: summertime

acordo. estou acordado. um pouco de sono.
tenho impressão de ter sonhado,
tenho essa impressão durante o dia.
a cama amolece os meus cuidados com os carros,
nunca fui atropelado enquanto estava em casa.
o mundo corre em vias de alta velocidade,
mas eu não preciso ser tão rápido.
estou com sono. estou acordado.
ouço a televisão ligada, alguns pássaros,
sinto falta do barulho das árvores,
da janela vem uma luz cheirosa e tensa,
o mundo lá fora pede, exige, aconselha.
quero chorar um pouco, encurtar a pilha de livros.
ninguém mais me escreve mandando notícias,
não falam se vão bem, se o trabalho é bom,
se impregnaravam a vida ou foram impregnados.
a superfície da cama sussurra: vá, é preciso.
sentindo caimbras e soluçando, levanto-me.

há na casa cores com as quais não estou acostumado,
nunca me acostumei.
o celular está quase sem bateria,
há uma centena de telefones em sua agenda,
e nada que diga que alguém ligará.
tenho um momento delicado com a toalha do banheiro,
divido o cheiro bom da pasta de dente.
sabonetes vão me fazer feliz, roupas limpas me farão.
sempre quando fecho o banheiro deixo alguém para trás.
passo um café. as mesmas medidas de minha mãe.
o açúcar refinado. torradas e queijo. manteiga são reinventadas,
e novos tamanhos de frutas e nomes chamam a atenção.
volta a vontade de chorar, um pouco. perco a fome.
mas como pela necessidade. preciso me resguardar.

volto para o quarto. a luz já é outra. nas paredes, fotos.
na estante, lápis e caneta. folhas usadas e coloridas.
tenho vontade de levar. anotar coisas. é meu jeito torto.
separo o dinheiro do ônibus e determino na cabeça
o meu itinerário. todo o meu itinerário. inclusive a volta.
respiro fundo. meu coração está pesado. e a cabeça reclama.
em alguns segundos guardados, pensa em dias melhores.
pensa em como acostumou fácil a dor. e abstrai perdas.
lembra-se de amigos queridos e algumas frases certeiras.
abro a porta, dirijo-me ao portão. o sol aquece um lado do rosto.
então percebo o quanto o outro está frio.
fico feliz de ter as mãos sempre quentes. uma característica.
coloco o discman e começo a atravessar o dia:
e ele está lá, o dia, esperando que o atravesse.
:: parachutes.tv

esto retomando o parachutes.tv mas num formato diferente. não serão mais episódios, mas videos soltos. aviso quando atualizar. recomendo para quem tem banda larga... é preciso ter o windows media player 9.

nessa retomada um video inédito "sunset goodbye".

http://www.parachutestv.tk

:: weezer

oh lisa
você pode
me amar novamente?
estarei esperando até que.

18 outubro 2004

:: regina

o cabo da faca era liso com pequenas inscrições vazadas. não era uma faca grande, regina não conseguiria manusear com suas mãos de menina. pela lâmina sabia-se que era para cozinha. era sabido também que essa faca ficava muito mais tempo nas mãos de regina do que na gaveta de alguma cozinha. ela a carregava por toda parte e não havia ninguém da cidade que pudesse convencê-la a guardar em casa ou em qualquer outro lugar seguro.

a relação entre juliana e sua faca piorou quando um caixeiro passou pela cidade e lhe ensinou numa noite bêbada a arte de afiar lâminas. vendeu a ela algums pedras cujo material ninguém conhecia mas que tratava o ferro de maneira muito amorosa como se lhe aumentasse as probabilidades, temperava-as novamente.

ninguém sabia ao certo porque regina carregava aquela faca. diziam os mais bem humorados que ela gostava de frutas e que só lhe interessava o interior das coisas. outros ainda diziam que não era só polpa que havia corrido por aquela lâmina.

regina morreu numa tarde ensolarada de outubro, sozinha. tinha pego uma doença dos pulmões que o povo dizia que vinha da alma. em sua pequena casa não encontram outras facas. em um canto, havia sabonetes com desenhos vazados e madeira talhada com poemas. a tal faca, ninguém encontrou. mas pela casa havia o pó cinza da pedra que todos sabiam que exitia, mas que ninguém jamais viu.
ana,

não fiquei surpreso ao descrever o estado da nossa casa. eu também me descuidei. penso muito nela, nas metáforas nuas de paredes, no jardim onde imaginei você cuidando da terra sendo você tão avessa a raizes. alikam e sebastião não fugiram, soube que eles também seguiram seu exemplo e foram ver o mundo, mesmo que seja o dos cães.

estou organizando a minha volta. talvez nos desencontremos como sempre. se quiser, ana querida, podemos reconstruir a casa mesmo que para um outro dos seus vendavais levar. posso arquitetar algum teto para que se proteja ou se esconda, mas não garanto a secretalidade, afinal muitos a procuram e alguns mais engenhosos acabam encontrando. o resto podemos reconstruir, talvez com outras pretensões, talvez com outros materiais, talvez com outros desejos. deixe o que puder recuperar numa caixa e faça uma lista do que será necessário obter. talvez seja a hora também de listar o que precisamos inventar.

é bom ter noticias suas, ana. deixe cópias de novas chaves perto de alguma fundação mais sólida. se desenhar uma indicação com seus lápis de cor, encontrarei com mais facilidade.

márcio

17 outubro 2004

são dezenas. chamam a atenção as asas. seus olhos estão perdidos no infinito, sempre quis ter olhos perdidos no infinito. os ombros são largos, sustentam as asas. tem joelhos delicados, mas os pés marcados, sujos. os cabelos são variados. penso se eles sonham também, se tem pesadelos. se olham um para o outro com algum sentimento. penso se se irritam, se frustram, se são propensos a tristeza. talvez se divirtam saltando de alturas inimagináveis ou talvez não saibam o que é altura. talvez conheçam a dor, mas um outro tipo. talvez mais dilacerante que a que costumos sentir no dia-a-dia. mas talvez, como nós, estejam acostumados às suas próprias dores.

os dedos são longos. mas são desajeitados. talvez toquem piano ou algum instrumento outro. devem conhecer a música divina, mas acho que nunca ouviram o blues ou o samba. eles tem outra velocidade, outro tempo. talvez porque a vida que lhe competem exija outro ritmo. eles me escutam, mas nunca estou preparado para lhes falar. não sei o que falar. não sei se quero e tenho medo que desistam algum dia de me ouvir. não quero lhes fazer pedido, mas devo impregnar a minha fala com sugestões. não suspeito que tenham algo a dizer que eu não saiba. não os quero como amigos. mas talvez tenha mais simpatia por um ou outro. não me fará mal convidar para um café com muffins. acho que nunca provaram de um café bom. posso mostrar como o sabor do chocolate é ressaltado com um café um pouco mais amargo, mas acho que nunca provaram chocolates. são muito inexperientes. ou talvez saibam demais da maneira mais empirica possível.

eles suspeitam. quero que me levem. não quero ter asas, isso não. não sabia acomodá-las em mim como não sei acomodar muitas coisas. e teria que aprender a utilizá-las, mas não quero ir para muito longe. quero só ganhar alguma altura e talvez sentir leveza. os problemas eu deixo para trás, perto do chão. ali, perto de algum poste ou em caixas já prontas para serem levadas. não tenho medo de céus nublados, nem da noite. torço até que se faça orvalho, não precisa ser chuva. e se alguém perguntar por mim, diga que fui ali pagar um café para novos amigos que acabarão se tornando.
:: ...

tá doendo...
:: do outro lado de lá

me atravesse. como faz com uma rua.
esqueça do asfalto e dos sinais.
olhe para os dois lados, ignore o barulho.
desenhe na calçada de cimento fresco
a eternidade que lhe roubarão.
me atravesse e continue caminhando
até que chegue a esquina e perceba
que no outro está minha inclinação.

16 outubro 2004

:: ana

ana fez passarinhos de origami para passar o tempo até que seu amor voltasse da guerra. em dois anos eram tantos que muitas pessoas chegaram a dizer que ana não os podia ter feito, mas que chegaram atraídos pela terra calorosa. seu amor não voltou da guerra e ana foi atrás. deixou em sua casa uma fauna rica cuja principal característica é um gracejo: boa sorte!
:: renata

você precisa transbordar.

15 outubro 2004

:: quem sabe o que é ter e perder alguém

desculpe-me, querida, não sei o que falo.
não sei o que devo falar.
não sei o que posso falar.
só sei o que sinto.
e isso nem sei bem.

14 outubro 2004

:: the desperate kingdom of love

acho que agora é o momento de reinventar os sonhos. porque mesmo que eu não tenha muito jeito, os outros ainda podem ter.
:: fim

por favor, alguém, abra as janelas porque o coração se foi.
:: float

sereia guiomar! me leva para o mar!

13 outubro 2004

:: gravity pulls

querida,

to escrevendo para dizer que estou aqui, que pode contar comigo. sei que é pouco, mas é o que posso. enviei-te uma carta, deve ter se perdido nessa confusão. estou torcendo aqui por melhoras. seja forte. é preciso. por você, um pouco por mim. estou tenso com sua angustia. dói em mim, sei que não o tanto q em vc, mas uma dor de preocupação. vou rezar -- olha só! -- rezarei o que eu lembrar das orações que fazia qdo criança. se há alguma comprovação de deus é q ele criou uma pessoa como você. e na minha vida sem sentido, vc é um farol. lembre-se sempre disso. vc tem luz. mta. e eu enxergo.

cuida-te.

márcio

:: luz

comprei uma luminária que só pisca. ao invés de me ajudar a olhar, ela vai me cegar.
:: tristeza

o mundo não cabe em mim.
e eu não caibo no mundo.
:: visita

estou de férias. planejei visitas e encontros, mas mesmo eu mais disponível, os outros ainda tem compromissos dificeis. então, venham me visitar.

12 outubro 2004

:: encontro

conheci uma pessoa hoje. ela ficou me encarando, chegou a ser deselegante. às vezes assoprava ou com um leve toque tirava a franja da frente dos olhos. pensei se ela reparava algo grosseiro em mim: a barba mal feita, os olhos vermelhos, o cabelo desgrenhado ou o conjunto todo. eu desvia o olhar, procurava por alguém atrás de mim que pudesse ser o alvo de sua atenção, fingia que não era comigo. um amigo comum nos apresentou. foi o primeiro sorriso, fiquei sem graça. o amigo disse que ela também prestava letras como eu. então ela falou:

-- seus olhos estão vermelhos.

disse que era a pouca noite de sono e que era comum que ficassem assim. ela sorriu de novo, disse que parecia um coelho. desta vez foi eu quem sorriu. falei que não era a primeira vez que me chamavam de coelho. e ela quis saber de mim e não se aborreceu por eu não querer saber nada sobre ela. contei a minha vida com esforço para que não soasse aborrecido. ela perguntava por detalhes, eu disse que não guardava muitos detalhes. ela ouviu com atenção. de quando em quando, tirava a franja dos olhos ou bebia sua cerveja.

perguntou-me então sobre a minha cicatriz sobre o olho esquerdo. acho que era o que ela quis ter perguntado desde o início. vi nela aquele olhar de satisfação de um projeto bem feito. eu disse a mesma história que sempre digo a quem me pergunta.

ela sorriu e achou graça. e disse que agora estava pronta para o que viesse.
:: encontro

conheci uma pessoa hoje. ela ficou me encarando, chegou a ser deselegante. às vezes assoprava ou com um leve toque tirava a franja da frente dos olhos. pensei se ela reparava algo grosseiro em mim: a barba mal feita, os olhos vermelhos, o cabelo desgrenhado ou o conjunto todo. eu desvia o olhar, procurava por alguém atrás de mim que pudesse ser o alvo de sua atenção, fingia que não era comigo. um amigo comum nos apresentou. foi o primeiro sorriso, fiquei sem graça. o amigo disse que também prestava letras como eu. fiquei ainda mais sem graça. se começássemos a falar de livros eu ficaria sem graça. então ela falou:

-- seus olhos estão vermelhos.

disse que era a pouca noite de sono e que era comum que ficassem assim. ela sorriu de novo, disse que parecia um coelho. desta vez foi eu quem sorrio. falei que não era a primeira vez que me chamavam de coelho. e ela quis saber de mim e não se aborreceu por eu não querer saber nada sobre ela. contei a minha vida com esforço para que não soasse aborrecido. ela perguntava por detalhes, eu disse que não guardava muitos detalhes. ela ouviu com atenção. de quando em quando, tirava a franja dos olhos ou bebia sua cerveja.

perguntou-me então sobre a minha cicatriz sobre o olho esquerdo. acho que era o que ela quis ter perguntado desde o início. vi nela aquele olhar de satisfação de um projeto bem feito. eu disse a mesma história que sempre digo a quem me pergunta.

ela sorriu e achou graça. e disse que agora estava pronta para o que viesse.
:: echobelly

os meus vasos estão bem cuidados. a minha estante, arrumada. organizei as minhas músicas e tenho respondido os emails na medida do possível. acompanho os notíciarios da tevê com atenção. interesso-me cada vez mais pelos programas culinários. planejo em planilhas os horários para que possa praticar algum esporte e o violão. refiz a agenda de telefones, joguei velhos nomes e arrumei espaço para novos. ando com vontade de voltar a fumar ou encontrar velhos conhecidos. preciso comprar sabão em pó.

minha vida anda sem muito sentido. ando esperançoso pelos outros, torço para que se cuidem e cresçam com menos dor. as burradas acontecem, sei bem, mas mágoa é um equívoco maior. o meu amor não me ama, mas outras sim. a vida caminha se desencontrando a si mesma. como um cão que persegue o seu rabo. mas eu nunca vi muito sentido nessa perseguição canina.

vou perdendo os sonhos. não tenho mais vontade de sonhá-los. vamos todos acabar num dia. resistiremos o quanto puder. as flores estão começando a brotar. vou embrulhar os presentes. e me perder.

11 outubro 2004

:: primus

ela fica massageando minha cabeça e distorcendo o meu coração. melhor que esticasse as tripas ou secasse os olhos.
:: happiness

felicidade desse ser aquilo que fica entre os dentes e o estômago depois de um beijo.
:: giraluas

ganhei sementes.
são giraluas.
plantarei amanhã pela manhã.
não entendo seu cultivo
e tenho medo de não saber florecê-las.
mas estarão sob a terra,
em medida do coração:
não tão perto da superfície
que não possa engrossar raízes
e nem tão longe do céu
que não possa beber da chuva e da lucência solar.

10 outubro 2004

:: brocóllis

ela fica horas dando contrastes a fotos velhas. come brócolis e resiste aos dietéticos. ano passado candidatou-se a miss do bairro, perdeu por pouco. sempre fica apreensiva em época de vestibular, mas não prestou nenhum. já sonhou o quanto seus ombros seriam modificados se tivesse asas. tem velocidade média de 7 km/h. grava coletâneas de cd´s com atmosferas de oceano pacífico. quis morar em angola. quis ser galinha. sobreviveu a uma diarréia que quase lhe fodeu os filhos que não teve. ainda. chorar faz parte. já pensou em suícidio. já pensou em casamento. já pensou em morar com alguém. e já pensou em ser alguém de alguém. os olhos fudigios cantam desesperanças. aprendeu a fazer pastéis com recheio de maçã. sabe improvisar o scap. recitar versos. sabe um segredo sobre a linha curva que separa o céu da terra. mas não conta para ninguém. ninguém mesmo.
:: jelly roll

você pode até tentar se esconder, mas a vida acaba te encontrando.
:: ofegação

não chore, querida.
a vida certa já se perdeu.
o que nos resta é pouco
mas suficiente
para alguma outra felicidade.
não chore, querida.
que o tempo é de respiro
e se alguém lhe toca o coração,
é porque quer respirar também.

08 outubro 2004

:: solidão

passei umas duas horas andando pela cidade, sem rumo. o sol que batia no meu rosto não me revelava coisa alguma. ademais, um vento de frio cortante perpassava meu braço de quando em quando - havia esquecido a blusa. senti novamente as tremedeiras na mão e uma sensação antiga de caimbra. era um duelo tolo entre o corpo e a cabeça. pensei nos rumos da minha vida e percebi que não há quase nenhum. me senti o próprio vazio.

olhava para as pessoas e o sentido que me vinha naturalmente, hoje, deslocou-se. acho que perdi a fé. não as amava mais, passava por elas com indiferença. pensei na noite com os amigos. podem não estar todos bem, mas são fortes. acabarão achando algum caminho que os valha. não preciso estar por aqui.

na minha caminhada, procurei passar na frente da casa de outros amigos. deveriam estar dormindo, era muito de manhã. tinha na cabeça que essa peregrinação poderia ser útil na escolha de uma casa nova. talvez houvesse algum lugar equidistantes às suas casas. atravessei os prédios com melancolia. não era me mudando os ares que eu mudaria o escopo das minhas atitudes. para eles também, tanto fazia. meu lugar não é aqui.

todos os meus planos andam perdendo o sentido. assim como vou deixando de acreditar nos livros, cinema e tv. talvez a música seja um dos poucos alentos, mas mesmo ela não tem me afetado.

a solidão anda refratando meus olhos e o dia, aniquilando o coração.
:: pra fugir da saudade
(elton medeiros e paulinho da viola)

saudade
você fez da minha vida
uma rua sem saída
por onde andou minha solidão
e hoje
quando tudo é esquecimento
uma flor sobrevive ao tempo
e se desfolha em meu coração
para aliviar o meu sofrimento

rompe o silêncio meu canto de felicidade
dentro de um samba eu desfaço o que ela me fez
quero abrigar, no entanto
mais uma flor que renasce
para fugir da saudade e sorrir outra vez

07 outubro 2004

:: mariana blues



mariana, sua maluca. a gente se conhece há tanto tempo que até as maluquices parecem corriqueiras. e se te faltassem as músicas e os doces? e se te faltassem os livros e as fitas? e se te faltassem os amigos e amores? e se te faltassem tranquilidade e afliação? mariana, sua maluca, quanta falta você tem feito no meu dia-a-dia..

feliz aniversário (atrasado)!

06 outubro 2004

:: dry your eyes



o cachorro olha para mim.
- seu moço, vai lá.
- aonde?
- não sei, um lugar seguro ou que soe seguro. que você possa ser você mesmo, abanar o rabo quando estiver feliz e mostrar ofegação com a língua. eu digo coisas através do corpo, você precisa das palavras.
- preciso porque a carne não me cabe os sonhos. você sonha, cãozinho?
- sonho sim. olho tanto para você aqui de baixo que já olho através de você. sonho com o céu. falam de cores e me confundem. cores existem?
- cãozinho, o essencíal é invisível aos olhos. é próximo do cheiro quando o cheiro se parece com uma casa ou o cheiro que você gostaria de ter como casa.
- a casa tem cheiro de pão. gosto de pães amanhecidos, ração é monótona.
- vou-lhe deixar então pães amanhecidos de um forno que me é muito caro.
- au! onde está?
- estará perto quando seu rabo balançar.
- au!
:: despedidas

despedia-me da vandreza depois de uma conversa sobre relacionamentos amorosos ou a falta de tato que tenho com esses assuntos:

-- márcio, cuide-se e diga a ela para se cuidar também porque ela se cuidando, também cuida de você.

os amigos sempre surpreendem.
:: ao longe

ao longe, o que se vê, é um farol. talvez quando chegarmos lá, ele já não mais exista. mas então contruíremos um de nossos próprios pedaços até que nós mesmos deixemos de existir em forma abusada de um para farol a dois.

05 outubro 2004

:: to give up

não desite de mim, por favor.

04 outubro 2004

:: egoísmo

às vezes me sinto bem ridículo. mas melhor ridículo que egoísta... sempre esqueço que tem gente que gosta dos textos.
prometo não tirar mais do ar...

o layout é antigo. retomei em comemoração. de quê? não sei.
ana,

recebi suas cartas e com atraso injustificável, respondo tentando amenizar as saudades que espreitam por aqui. pelas cartas, pude perceber que o coração anda sereno e muito avesso aos momentos de angúsitas pré-viagem. a primeira carta falava como se fosse encontro e na segunda senti também o gosto da saudade da casa ou do sentimento de casa ou qualquer coisa assim.

nesse meio tempo, imagino que tenha muitas histórias para contar. eu tenho cá as minhas, mas as suas tem a tensão da tradução. outras línguas e outros jeitos de pensar. ando pensando em ir embora também, até a casa pede uma interrupção. as europas ou as asias tem me dado curiosidade. não quero o mar, não quero mais. quero ser pego por ventania em terra firme mesmo. talvez aprender a cultivar o tal jardim de metáforas. ficamos mais velhos e percebemos o quanto deixamos de aprender. e há quem diga que isso também é aprendizado.

tinha organizado um tour pelo brasil em minhas férias. mas por enquanto ficou sem sentido. talvez passe pelo rio de janeiro para visitar alguns amigos. vai depender de dinheiro e coração.

avise-me dos seus horários. das coisas que passam pela cabeça e o que deixou de ser desconexo e o que não.

márcio
:: acordei...

querida,

acordei faz um tempo. estava andando pela cidade. fui comprar pão e parei para tomar um café. está uma manhã agradável apesar das nuvens que anunciam. passei para dizer um oi. sobrou um tempo do pão que assou rápido, nem precisei esperar. e o café estava morno, tomei de um gole. fiquei na dúvida se comprava flores, porque a moça da floricultura pediu que voltasse mais tarde que viriam flores novas. e eu não sabia o quanto tarde era. então passei por aqui sem as flores, mas com esse cupom da floricultura. muito mais para que eu lembre que há sempre flores novas do que propriamente o valor das flores. desculpe se eu te incomodei. talvez seja cedo, bem cedo, cedo demais. mas eu estava passando por aqui e resolvi bater na sua porta para dizer um oi. oi. bom dia. tenha um bom dia.

tava passando por aqui. cantarolava alguma coisa de nós dois. acordei cedo com essa vontade de lhe cantar algo bom. é cedo e canto baixo para não prejudicar ninguém. por isso bati a porta e vim lhe desejar bom dia e cantarolar essa canção. desculpe pelo cedo da hora, andei bastante até, acordei cedo. ontem foi bom. estava feliz. quis comprar pão quente e tomar um café. podia ter chamado para ir comigo tomar café, mas parecia cedo de mais. acordei cedo, nem é meu costume acordar tão cedo. na verdade eu nem dormi.

acordo-te.

01 outubro 2004

:: encontro marcado

esperei-te até tarde. não aparaceste.
fez frio, talvez o cansaço.
volto para casa como se o dia não tivesse acontecido.