a million parachutes

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18 outubro 2004

:: regina

o cabo da faca era liso com pequenas inscrições vazadas. não era uma faca grande, regina não conseguiria manusear com suas mãos de menina. pela lâmina sabia-se que era para cozinha. era sabido também que essa faca ficava muito mais tempo nas mãos de regina do que na gaveta de alguma cozinha. ela a carregava por toda parte e não havia ninguém da cidade que pudesse convencê-la a guardar em casa ou em qualquer outro lugar seguro.

a relação entre juliana e sua faca piorou quando um caixeiro passou pela cidade e lhe ensinou numa noite bêbada a arte de afiar lâminas. vendeu a ela algums pedras cujo material ninguém conhecia mas que tratava o ferro de maneira muito amorosa como se lhe aumentasse as probabilidades, temperava-as novamente.

ninguém sabia ao certo porque regina carregava aquela faca. diziam os mais bem humorados que ela gostava de frutas e que só lhe interessava o interior das coisas. outros ainda diziam que não era só polpa que havia corrido por aquela lâmina.

regina morreu numa tarde ensolarada de outubro, sozinha. tinha pego uma doença dos pulmões que o povo dizia que vinha da alma. em sua pequena casa não encontram outras facas. em um canto, havia sabonetes com desenhos vazados e madeira talhada com poemas. a tal faca, ninguém encontrou. mas pela casa havia o pó cinza da pedra que todos sabiam que exitia, mas que ninguém jamais viu.