a million parachutes

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20 dezembro 2004

:: Os Barcos

Pedro tinha cara ossuda, grave como seu pai. E assim como seu pai, Pedro era pescador. Quando sua mulher estava grávida, Pedro tinha construído um outro barco, menor do que o utilizado para o ofício. Chamou-o de Prestes. Joana nasceu numa tarde quente e deu trabalho para parteira. Depois disso, a mulher de Pedro nunca mais pôde ter outro filho. Pedro se achou azarado.

Joana cresceu sem muita atenção do pai. Era a mãe quem a preparava para a vida. A vila onde moravam foi mudando, os peixes estavam cada vez mais longe. Pedro levava consigo Prestes sempre achando que precisaria dele porque o dia podia ser de fartura. Muitas vezes voltava vazio.

Joana acompanhou as mudanças e como os peixes quis ir embora. Foi nesse momento que Pedro deu atenção a Joana e a trancou no quarto. Disse que ela aprenderia a pescar ou a fazer rede ou qualquer coisa que o valha, mas tinha que ajudar a casa. Ela pulou a janela, pegou Prestes e fugiu. Encontraram o barco numa praia próxima, quebrado por ter batido em alguma pedra. A mãe de Joana chorou meses, Pedro também, apesar de não parecer.

Receberam notícias de Joana um ano depois. Estava bem, conseguira um emprego e estava estudando. Trocaram correspondências ralas. Pedro não sabia ler, nunca aprendeu.

Joana voltou a velha casa muitos anos depois, estudada e com boa vida. Trazia consigo, Marcelo, seu filho. Quando chegou a vila, não a reconheceu. A maioria dos pescadores haviam se tornado vendedores de alguma bugiganga e a praia estava cheia de turistas. A casa foi pintada com cores fortes pela Prefeitura.

Prestes estava ao lado de casa, ainda quebrado.

A mãe de Joana a reconheceu, mas não falava coisa com coisa. Pedro, seu pai, apareceu e disse que sua mãe já estava há algum tempo louca. Joana abraçou seu pai e apresentou seu filho. Pedro sorriu com leveza o que agravou a cara ainda mais ossuda dos tempos.

-- Vou consertar Prestes.

Joana não gostou. Mas foi desfazer as malas e colocar Marcelo para dormir. Mais tarde foi ter com o pai:

-- Pai, não precisa consertar Prestes. Marcelo não vai ser pescador.

Seu pai sorriu de novo e disse que não era o caso. Prestes serviria só para atravessar a praia sem precisar passar pelos turistas e que dessa vez ele resistiria às pedras e poderia ir mais longe.

p.s. não é lá um texto bom. é mais um argumento. mas gosto da história... vou recontá-la melhor, por agora fica só o registro...