a million parachutes

for us

15 dezembro 2004

:: mean to me

estava sentado no banco, esperando que o metrô chegasse. a respiração ficava cada vez mais difícil. tombou a cabeça para trás para que sua traquéia se acalmasse. tinha tido uma vida boa, pensou. mais orgulhou do que se arrependeu. estava convicto de que as roupas surradas e sujas não representavam sua condição e justiça. na mão direita, a mão esquerda dela. virou-se um pouco, ela sorriu e pedia com a mão cada vez mais apertada que procurassem ajuda. ele agradecia a preocupação com uma brincadeira nos dedos e a fidelidade, cantarolando um tema que só a ambos era compreensível. os trens iam passando.

num momento de mais fraqueza dele, ela conseguiu carregá-lo para dentro de um dos vagões. o balanço da viagem fazia crer a ela que não conseguiriam. ele alentava:

-- você é meu acidentezinho.

ela sorria serena, um momento a revelia de sua angústia. a respiração dele se acalmou, ficou sério. ela falou que logo chegariam, faltavam três ou quatro estações. ele pensou que a vida lhe fora boa, mas ele talvez não tenha sido tão bom com ela. sabia algumas coisas mto bem e as coisas que não sabia procurou aprender. fez o que aspirava na medida que pôde. só os óculos que foram um equívoco não usar. ela estava linda, ele nunca havia visto olhos tão significativos. as bochechas salientes, ensaio de risos. o livro que estava escrevendo sobre a história do riso estava inacabado. mas a dedicatória estava lá.

-- quer namorar comigo?

-- quero. ela respondeu.

ele morreria uma semana depois com uma dor que os remédios não puderam lhe tirar. e ela não pode deixar de lembrá-lo toda vez que lhe falta ar.