a million parachutes

for us

30 julho 2003



:: perdas

"Hoje quando acordei pensei no posto de caçula que perdi. Depois, pensei na morte do meu avô e, mais no passado, lembrei da saudade que sinto calada da minha avó que também perdi. Me prende a atenção a foto no porta-retratos na bancada do meu quarto. Lá está uma amiga que também perdi, em vida. Sorria ao meu lado, em um momento de completude absoluta. Do outro lado, está a foto do meu irmão, do meu xodó. Penso rapidamente em sua infância, que logo vou perder. Ele cresce sem parar. Levanto. Vou tomar remédios e vejo que perdi meus comprimidos. Vou colocar um disco e não acho, talvez tenha perdido. Começo a lembrar de cenas que se perderam na história. Esqueço. Quero esquecer. Fico paralisada quando começo a remontar minhas histórias de amor. Lembro do primeiro que perdi por amar tanto. Lembro do segundo que me perdeu por me amar tanto. Sinto saudade de doer o coração ao lembrar do amor. Penso no amor doentio que um dia senti por um namorado. Em seguida, lembro que perdi a loucura e que isso é sem-graça. Lembro das vezes que perdi no gato-mia e era emocionante. Lembro da primeira vez que andei de mãos dadas na praia e que eu poderia ter perdido mais tempo com esse prazer. Penso no meu último amor e, ao mesmo tempo, penso que perdi a verdade. Que o respeito perdeu-se. Lembro que perdi a chance de assistir "Noites de Cabíria" ao lado dele. Penso que perdi horas no trânsito. Penso, depois, que não acho algumas coisas que perco pelo caminho. Perdi o medo do escuro e o que eu queria perder - o medo da morte - não perdi. Vejo que perdi a relação que eu tinha com a minha irmã mais velha. Perdi tempo na minha última sessão de análise. Estou com sono. Perdi horas de sono chorando. Perdi água chorando. Perdi tempo de leitura, perdi a capacidade de refletir sobre o amor. Lembro da minha casa na vila, onde eu nasci, e recordo que perdi o casamento dos meus pais, que perdi meus gatos, que perdi meus cachorros e hoje só resta pelúcia, que talvez eu também perca um dia. Perdi minhas bonecas, minhas roupas, meus perfumes. Perdi meus amores inocentes. Perdi o brinco que minha avó paterna me deu aos quinze anos. Eram dela aos quinze anos de um tempo que não conheci. Perdi a época da Mona Lisa. Perdi shows do Eric Clapton. Lembro do dia em que perdemos Ayrton Senna e, logo depois, perdi a cesta decisiva no jogo de basquete. Depois, lembro que perdi a final da Copa do Mundo do ano passado. Perdi meu avô paterno na tv, no rádio, na vida da minha vozinha. Perdi minha coleção de bolinhas. Perdi a chance de escrever pro Valor. Perdi algumas anotações pessoais. Perdi o horário da manicure. Recordo que perdi algumas aulas de piano, que perdi o aprendizado, perdi um pouco de música por isso. Depois do piano, penso que perdi o hábito de tocar violão depois que um amor imperdível me perdeu. Perdi a possibilidade de fazer administração. Perdi a chance de tirar carta de motorista aos 18 anos. Perdi o comprimento do meu cabelo. Perdi alguns anéis, algumas fitas que gravei na adolescência. Perdi fotos da Mari. Perdi a vontade de assistir filmes do Glauber Rocha. Perdi a vontade de dançar forró. Perdi a chance de um grande amor no ano retrasado. Perdi alguns quilos. Perdi a promoção da máquina fotográfica da minha vida. Perdi um ano novo e uma grande amiga ao mesmo tempo. Perdi a esperança, mas tenho você e isso me conforta."

l.