a million parachutes

for us

17 fevereiro 2004



ana,

não tenho conseguido organizar meu tempo para que pudesse lhe escrever com boa ternura. fico apreensivo porque quero lhe passar um sensação tranqüilizadora e para isso espero por um momento tranquilo. percebi que não há como, por enquanto, esperar por um momento desses ou me forçar a ficar mais calmo. então resolvi escrever com o nervosismo do momento mesmo, peço que me perdoe a falta de traço e estilo e qualquer coisa que soe tempestade.

procurando por um arquivo (percebeu que é somente o que fazemos nessa vida?), encontrei outros tantos de muitas épocas diferentes. lendo, pude identificar quase todos os humores e estados de conservação. poderia jogar quase todos esses textos fora, é verdade, mas os guardo como cápsula do tempo. até os hiatos mantenho nos arquivos para me lembrar dos tempos mortos que semearam tempos vivos.

soube do adiamento de sua viagem. nessas horas sempre parece que a vida é uma adiamento apenas. tenho essa sensação às vezes, mas visto uma bermuda e saio para passear. tenho uma amiga que tem uma vida adiada. ela sai de blusinha e se dá um frescor. volta sorrindo da silva, mesmo que as coisas não aconteçam na rapidez que deseja. ela acredita em deus. e eu acredito, às vezes, nela.

e tem chovido muito nesta cidade. desliguei o som para poder ouvir porque sei que em outras estações isso vai ser bem mais raro.

estou lendo "as cidades invisíveis" do italo calvino e imaginando que você será marco polo contando histórias de reinos que não existem, mas que poderiam se as pessoas se importassem. e aprenderá cem línguas para relatar em metáforas a inexatidão da criatura humana. ainda brigando com as muitas anas?

relendo alguns textos antigos meus percebi que gostava muito de um discurso panfletário, daqueles que dizem na cara e explicitamente, embora com dificuldades, as coisas do coração. por algum motivo fui perdendo isso. não sei se é um tempo morto em que tenho que semear ou se já colho serenidade. mas não importa. só sei que a maioria das histórias escrevo pensando se vai gostar ou não. não sei se isso é bom. mas é um critério e um motivo para continuar.

marcio

p.s. numa próxima carta comento as músicas dos cds.