a million parachutes

for us

26 março 2004



ana,

ando escutando muito samba, muito por causa do meu trabalho, mas não reclamo. estão digitalizando um acervo importante aqui da cidade e tenho o privilégio de já poder ouvir antes que os outros. não pude, porém, ter a experiência do pó temporal. ouço coisas antigas só com a impressão de agulha de vitrola, sem o risco de me cortar.

e há tanta coisa bela que nem imaginava.

muita coisa nova também passa pela minha mão. muitos sonhadores que gravam suas canções com a esperança de viver disso. os outros funcionários pedem para eu não ser tão meticuloso por causa do tempo ou pela falta dele. mas me descuido e me deleito. o samba quer dizer algo para mim, ana, percebo isso. não sei o que é.

* * *

e nessa inquietação, paulinho da viola me perguntou com vontade de conversar. me pediu um samba sobre o infinito e eu só me atrevi a dar ritmo com batidas na mesa. percebendo minha dificuldade, começou ele a bater também. disse:

-- pensa no coração de alguém.

aí eu pensei no seu. ele sorriu porque minha dificuldade foi sumindo. me deu vontade cantar algo que me dissesse, mas não encontrei o quê e as palavras. paulinho sorriu novamente e me disse:

-- descobriu o infinito.

* * *


então veio adoniran barbosa e disse que a nossa casa invisível, ana, na verdade é uma maloca. ele é muito gente boa. perguntei rindo:

-- é porque tem gente louca?

ele respondeu em um português impecável:

-- quem mais senão gente louca para enxergar uma casa no invisível?

* * *


me decidi: vou comprar um pandeiro. ao menos treinei com cadernos a girar em torno de si com um dedo só.

* * *


e descobri: o samba não quer dizer nada. só quer tantos motivos para ser quanto nós cartas para escrever.

e a roda acabou com esse refrão.

beijos

márcio

p.s. ouve isso numa peça de teatro regado ao melhor tango: "melhor chegar a tempo do que ser convidado". ana, espere-me. embarco para aí em meados de abril. já será outono.