a million parachutes

for us

09 março 2004

:: work song

estou perdendo o jeito. estou sim. tinha facilidade em organizar frases, agora qualquer coisa soa barroco. gosto das coisas simples e diretas e não tenho mais sido simples e direto. talvez esteja fantasiando demais e vivendo de menos. mas como disse seu borges: de que lado do olhar estamos? não que eu desgoste das histórias que eu ouço e registro, não é não. mas cada dia ando sentido falta das minhas histórias, poemas sofregos, piadas internas e confusão mental. dificilmente escrevo para os amigos próximos, eles nem me visitam mais aqui. não sei se perco a vontade de falar a eles por causa dessa certeza de que não lerão. uma coisa empurra a outra e todos somos empurrados para uma direção que não sabemos se é a melhor.

estou perdendo o gosto pelas coisas. me interesso pouco pelos filmes. não vejo tanta tevê assim. não procuro novidades na internet e não garimpo mais atrás de bandas malucas. talvez a leitura tenha melhorado, mas acho que é remorso pelo atraso. antes minha cabeça pensava em função de videos. tinha idéias e imaginava cenas e ia lá produzir. hoje durmo mais que imagino. assim é dificil fazer algum video.

presto atenção nas angustias das pessoas. mas não tenho tanta força para ajudar. é um sentimento que tempos atrás me revoltaria, mas que hoje me afeta menos. pessoas chamam isso de sensatez, eu ainda chamo de covardia, mesmo que diga que é sensatez também. algumas coisas nos dão força. outras simplesmente retiram com brutalidade ou pior: com serenidade. quando percebemos, talvez seja tarde demais. ou talvez não seja.

não tenho tanto a perder assim. mas o que tenho é precioso. isso talvez seja a má interpretação que faço do mundo: tenho apego a poucas coisas e me irrito por ter tantas poucas coisas, então me apego com certo desdém. os sonhos tenho muitos. posso dar e vender. os sonhos também têm perdido cada vez mais o sentido. quem não me conhece me chama de pretencioso, quem conhece só acha que sonho demais e que isso vai me fuder de jeito algum dia. talvez me arrependa de tantos sonhos. até lá me dá calafrios me arrepender de sonhos.

a gente vai vivendo como pode. pegando pelo caminho objetos que cairam do bolso, negligenciando outros. a gente olha para cima, vê o céu e nega a cidade. a gente olha a cidade e esquece do céu. a gente esquece de que a cidade é feita de pessoas. a gente esquece que é pessoa também e é esquecida. um homem sábio compreende sua solidão, mas isso não quer dizer que queira viver entendido. cada vez que refaço meu roteiro da cidade, percebo que ando perdendo o jeito. talvez seja uma ferrugem fácil de solucionar. mas acho que é falta de amor mesmo.

vou trabalhar.