:: song #1
há uma comoção austera em se receber presentes. mesmo quando são tão antecipados, ainda nos pegam de surpresa alguns detalhes que mesmo com nossa perspicácia, não conseguimos prever de todo. o correio tocou a campainha às 9 horas da manhã, eu já sabia que era para mim porque o carteiro da vizinhança normalmente passa de tarde e normalmente não recebo nada além de impostos e malas diretas.
o som da caixa dizia que havia uma outra dentro. tomei cuidado em abrir, mas como havia muitas fitas adesivas acabei perdendo para a ansiedade e fui rasgando. quando percebi, havia destruido parte do endereço. sabia que tinha guardado o endereço numa agenda, mas a possibilidade de perder o endereço me acovardou. tomei a mesma serenidade e restitui todas as letras do remetente. foi a primeira vez que prestei a atenção nas letras e como eram verdadeiras letras de menina. aquelas formas imperfeitas me disseram algo muito humano, mas não sabia bem o quê..
a caixa contida era bem menor que contigente. era densa também. desfiz os elásticos e abri a tampa florida: a fita prometida, um cartão pequeno e uma carta. infelizmente não pude ouvir a fita porque me desfiz de todos os aparatos analógicos. a carta me entreteu até o meu trabalho onde consegui passar o conteúdo da fita para um cd.
fiquei pensando em como os suportes mudam nossa relação com o mundo. li a carta e nele vi muito além do que havia sido escrito. imaginei ela escrevendo com suas letras de menina, hesitanto no acento do meu nome, insegura com tantas palavras e idéias sem poder articulá-las em folha lisa e tinta. falta de prática, talvez. circulava o número 1 que era primeira de muitas que pretende gravar. justificou a falta de data com a vontade de ser eterna. e me deu essa sensação de eterno ao ver o "i" de sua assinatura muito semelhante aos "is" da minha infância. talvez, em épocas remotas, eu tivesse o costume de fazer "is" assim.
dobrou com imprecisão em 8 e com a ajuda do peso da fita pressionou o suficiente para que tomasse seu lugar.
ouvi a fita com um pouco de hesitação também. conhecia algumas músicas, mas a maioria era interrogação. gostei de todas. abusou ao colocar nina simone que é como um tiro de misericórdia. não chorei orgulhoso que sou. mas o que me causou mais comoção foi ler e ouvir o cd ao mesmo tempo. o mundo me soou encantando, como se pudesse ter compreeendido com exatidão o que representavam as letras, melodias e aquela letra de menina.
guardei a carta na caixa e continuei ouvindo o cd-fita. pensei que o mundo fosse feito desses pequenos detalhes e que eram tantos que poderiam caber numa caixa. e enquanto ouvia belle and sebastian, ela era pessoa mais bonita do mundo.
há uma comoção austera em se receber presentes. mesmo quando são tão antecipados, ainda nos pegam de surpresa alguns detalhes que mesmo com nossa perspicácia, não conseguimos prever de todo. o correio tocou a campainha às 9 horas da manhã, eu já sabia que era para mim porque o carteiro da vizinhança normalmente passa de tarde e normalmente não recebo nada além de impostos e malas diretas.
o som da caixa dizia que havia uma outra dentro. tomei cuidado em abrir, mas como havia muitas fitas adesivas acabei perdendo para a ansiedade e fui rasgando. quando percebi, havia destruido parte do endereço. sabia que tinha guardado o endereço numa agenda, mas a possibilidade de perder o endereço me acovardou. tomei a mesma serenidade e restitui todas as letras do remetente. foi a primeira vez que prestei a atenção nas letras e como eram verdadeiras letras de menina. aquelas formas imperfeitas me disseram algo muito humano, mas não sabia bem o quê..
a caixa contida era bem menor que contigente. era densa também. desfiz os elásticos e abri a tampa florida: a fita prometida, um cartão pequeno e uma carta. infelizmente não pude ouvir a fita porque me desfiz de todos os aparatos analógicos. a carta me entreteu até o meu trabalho onde consegui passar o conteúdo da fita para um cd.
fiquei pensando em como os suportes mudam nossa relação com o mundo. li a carta e nele vi muito além do que havia sido escrito. imaginei ela escrevendo com suas letras de menina, hesitanto no acento do meu nome, insegura com tantas palavras e idéias sem poder articulá-las em folha lisa e tinta. falta de prática, talvez. circulava o número 1 que era primeira de muitas que pretende gravar. justificou a falta de data com a vontade de ser eterna. e me deu essa sensação de eterno ao ver o "i" de sua assinatura muito semelhante aos "is" da minha infância. talvez, em épocas remotas, eu tivesse o costume de fazer "is" assim.
dobrou com imprecisão em 8 e com a ajuda do peso da fita pressionou o suficiente para que tomasse seu lugar.
ouvi a fita com um pouco de hesitação também. conhecia algumas músicas, mas a maioria era interrogação. gostei de todas. abusou ao colocar nina simone que é como um tiro de misericórdia. não chorei orgulhoso que sou. mas o que me causou mais comoção foi ler e ouvir o cd ao mesmo tempo. o mundo me soou encantando, como se pudesse ter compreeendido com exatidão o que representavam as letras, melodias e aquela letra de menina.
guardei a carta na caixa e continuei ouvindo o cd-fita. pensei que o mundo fosse feito desses pequenos detalhes e que eram tantos que poderiam caber numa caixa. e enquanto ouvia belle and sebastian, ela era pessoa mais bonita do mundo.
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