a million parachutes

for us

06 agosto 2003

:: pontas

recebi esse email numa confusão de lista de emails ou spams, não sei bem. tentei responder mas o servidor disse que o endereço não existia.

"eu tive amor pelos meus cabelos enquanto você os quis, provavelmente até como elogio único a que eu era capaz: você durante dias atrás de pontos, cicatrizes, olhos de arame farpado ao meu redor. pois me prometeu um bilhete escrito, pediu que guardasse o guardanapo de papel delicado pra que um dia viessem as palavras. cumpri a espera o quanto pude dentro da carteira. eu reparava no papel odiosamente branco entre outros coloridos, ou então branco único pois dinheiro e gato não se prendem dentro de casa. enquanto cachorros, como eu, esperam o dono estancados no tapete da porta. meu amor é assim: você negou com fúria delicada minha humilhação e finalmente juntou meus pés e pregou-os com madeira e martelo. saiu uma lágrima do meu suor. depois não aguentei, e oferecia intencionalmente sem querer o papel a qualquer motivo de sujeira em sua pele, na roupa. meu sangue dos pés nunca chegaram a sujá-la, não foi?

meus cabelos. para e pura imitação de seus gostos, ou será que me enganou mais uma vez? você pode olhar pra frente, um fim de vista onde a serra cerca o depois, olhar o tempo que precisar e se eu me puser entre a serra e você, exatamente onde os olhos me encontram, sou atravessado violentamente. você, como sempre, não fez nada. eu que fui de encontro à estaca. pode me servir de orgulho que tantos outros melhores que eu tenham se rasgado comigo, antes de mim. mas não posso conceber seu olhar, que não é lança, é espada de ambos lados criminosos, e faz questão de exibir as habilidades: caminhando, rebolar, sorrisos em alguma direção coitada que na verdade se refere a dentro. lembranças melhor não serem reveladas, porque doem.

percebeu que todos a descobriram e odiavam, menos eu. não me descobriu. eu me apresentei. e perguntava, perplexa, quais motivos ? ignorância da própria beleza e violência. você aplainou algumas pontas, pude me aproximar, mas com distância desconhecida porque arame continuava. bela forma de se envolver. chegaram a xingá-la. eu fui protetor e ferido. me chamaram de seu namorado, uma idiotice de quem falava e muito maior minha, pois. se. outros achavam. uma vaidade de gente feia e morta embora estampada no jornal. páginas policiais, no entanto fama.

chamei beleza enquanto gritavam gostosa. amor é puro se não doente? então não amei, você diria. mas cumpri as ordens inventadas, flores e cartão, criei um romance em minha cabeça, chamei beleza com o pouco de fôlego e pés aprisionados, perfuração atrás da porta de entrada, tão encostado para recebê-la ? creio que se um dia você entrasse, a proximidade do desejo surraria minha cara. eu não tinha como cair. você que me prendeu. sadicamente, fecharia a porta, girando a maçaneta: um barulho de chave e alguns segundos espaçados para recriar o desespero. depois risadas abafadas pela madeira divisória. a porta aberta violentamente como na infância. esta cicatriz no nariz foi chave contra. depois pedido de perdão e a parte carnuda da mão alisando o machucado. era você. mas você fingia nunca perceber, por filosofia própria.

veja então se não percebe. meu único elogio no topo da cabeça, como que me escapando, rebeldes os cabelos, não querendo meus. boa maneira de não se envolver, me evitar. seu namorado, no entanto, tinha os cabelos, o rosto, o sorriso e você ? os outros gritariam sua parte mais gostosa, mas não me misturo. cada fio cresceu mesmo desgostando-os, os cachos de antes quebraram opacos, viraram cada qual para seu canto, sem se conversarem. nunca mais arranjo. posso dizer de meus cabelos, assim como de minha vida. espero que também da sua. você vai descobrir que seu namorado terá uma beleza a mais e uma retirada. fiquei careca. o feio. porém não deixei varrerem meu elogio para o lixo, guardei num saco e fiz uma visita. seu namorado não me reconheceu, talvez nem se tivesse ainda os cachos ? quem sabe se ainda amigos você me comentou? -, seria reconhecido.

esperei ele atender a porta, ele perguntou o que queria e me olhou do topo a baixo, nem percebeu os buracos dentro dos sapatos, eu sorri como você tantas vezes sorriu pensando nele, e joguei ? ele atrás da porta ? a porta contra, caiu de bunda. tranquei a porta mas fiz questão de não sair, acompanhei seus urros de dentro, sem impedimento abafado, socos e cara amassada ? a maçaneta, você precisa consertar.

trouxe comigo o saco de cabelo. e cola quente. seus gritos, a veia pulsando no pescoço, subindo a lateral da testa, bochechas vermelhas antes de queimadas e grudentas de cola assim requentada.

abri mão de meus cabelos para seu namorado ser todo ele beleza, os cachos no topo da cabeça, nas orelhas, grudados por toda a face.

se pelo menos pudéssemos saber que sorriu."