a million parachutes

for us

31 agosto 2003


:: arranjos

já faz um tempo que eu não consigo imaginar o que anda passando pela sua cabeça. se são as velocidades dos semáforos ou os trabalhos desnecessários que irritam mais. se os achocolatados novos que comprou a surpreenderam ou foi mesmo a notícia de que havia melhoras em seu estado clínico. as ruas continuam com o mesmo público e as lojas de vez enquando tem alguma novidade. há os mesmos amigos para os quais dedica um tempo adequado ao tipo de amizade. e há os amores a quem reserva tempos flexíveis de acordo com a compensação. os motores dos carros estão cada vez mais silenciosos, mas em número cada vez maiores. a diferença é a sensação de zumbido. a internet cada vez mais sem sentido e a gente cada vez menos produtor de sentido. é o tempo e suas manufaturas: moldam o decorrer embora enferruge as possibilidades.

o que ando fazendo ultimamente são arranjos. deixei um pouco a porralouquice de inventar e desinventar coisas. ofício bacana para quem sabe aproveitar seus frutos. arranjar é só trocar os móveis de lugar, fazer outros caminhos, revesar na leitura de livros, conversar com os amigos sobre amenidades, comprar um sabonete diferente, usar um barbeador outro, evitar a profundida.

já não sei muito bem os propósitos das grandes discussões. sei que elas existem e que garantem conforto para muitos. para mim são como papos de bar. gostaria de beber com aristóteles. deve ser bacana vê-lo breaco e tomando dura de platão. ou nietzche molhando com espuma o bigode. ou sartre mandando alguém a merda pela falta de geladez genuína da cerveja francesa.

e vão sendo feitos rearranjos. das discussões profundas, mobilizo o que há de menos profundo. me interessa o blefe, os jogos, a fuga, a covardia, o medo, o desprezo, a separação, as farsas, as intereferências na comunicação, as drogas, a chuva, o frio, a televisão, o papel higiênico, caixas acústicas, xícaras mal feitas, o amor.

e mesmo assim, não consigo imaginar o que anda passando na sua cabeça. acho que o simples fato de renunciar a invenção traz essa angústia. não sei o que se passa porque não invento que se passa. e nos meus arranjos o que falta de eficácia sobra de solidão.