a million parachutes

for us

17 fevereiro 2003

:: da gaveta

_ wonderland

1

através dos vidros dos coletivos,
uma sensação de que alguém está contando a nossa história.
billie Holiday cantando bem baixinho os pretensos amores expressos
que cultivamos em nossos corações para estarmos certos do preparo quando, algum dia, o momento chegar.
fico chorando pelos cantos, fico rindo à toa,
decoro as melhores letras que saem da boca de ella fitzgerald,
aprendo a dança como Gene Kelly e sei que tenho meu lugar nas bem ditas big bands.

tudo,
tudo a espera da próxima parada,
quando os cinemas estarão abertos para receber seus amantes,
os bares terão as cervejas mais geladas,
e eu terei dinheiro para te comprar algumas flores que podem durar mais se colocadas num copo de água com aspirina.

enquanto isso, abro o livro e procuro por um ensinamento.
mas entre um romance de thomas mann e um dicionário
o que me detém em não abrir ambos? melhor tivesse comigo,
os livros de henry james ou jane austen...
já abandonei os livros de versos por tanta falta de rima
em meu coração.
eu poderia ler kafka para chegar em wonderland,
Mas seria muito injusto com lewis carrol.
então abro o dicionário:

parada.sf.1.ato ou efeito de parar.2.local onde alguém ou algo pára.3.pausa, interrupção. 4. formatura ou desfile de tropas. 5.quantia em que se aposta no jogo em cada lance.

então adormeço, apostando que você me acorde quando chegar.

2

pois que Wonderland fica longe, longe...
nos Estados Unidos. quem espera encontrar
entre luzes de néon e algumas ribaltas
as cores temáticas da felicidade,
verá apenas os tons pastéis, âmbar, de quem se corrigiu
a tempo de aparecer bonito na fotografia.

os postes, as ruas, as calçadas, os pedestres...
quem canta tanto o objeto inerte? não responda
que Wonderland já disse em inglês... o destino subjugado.

wonderland, próxima parada.

3

há alguns estive em Wonderland a negócios
e no principio não achei nada de excepcional.
um americano que falava um português vagabundo,
a solidão, a solidão... e alguns amigos.
por que não restituir a mediocridade o lirismo de outrora?
wonderland passa em meus olhos e meu nariz lateja
e acho que estou dizendo a verdade.

(de caderno de anotações para as tempestades | 2000 )