a million parachutes

for us

26 outubro 2005

:: para sentir tua respiração

a cama estava deslocada. ela ajeitou a fronha para trazer algum equilibrio. o modo com que pegou o lençol soava familiar; o cuidado em nivelar também. quis esparramar-se [ para sentir tua respiração ]. enxugou sua saliva, arrumou o cabelo [ estou com sede ], sentou-se perto da quina; alertou o despertador da hora certa e da hora errada [ você diz as horas de um jeito incomum ]. a luz mudou. quando virou-se para a janela, passou os olhos pelo armário [ para que servem caixas que não informam em suas tampas o conteúdo ?]. anoiteceu [ meu coração traz a pressa do inverno ] enquanto seus dedos timidamente mediam a solidão da cama vazia [ essa luz rarefeita nem chega a me cegar, mas imensidão é muito mais que isso ]. ameaçou levantar-se e fechar a cortina [ para sentir tua respiração ]. mas a sua mão: espera! um pouco de coragem para desafiar o inverno. quis se sentir cansada e adormecer [ se eu fechar meus olhos, talvez você encontre uma maneira nossa para abri-los ]. ela esperou que ele regressasse e não lhe ocorreu que muito provavelmente ele havia esquecido também de sua cama.[ quero só um pouco de o que pode ser meu, por favor ]. o quarto branco ficou pequeno para tanta falta de dia.

clique. sua mãe perguntou por que estava no escuro. ela respondeu com serenidade incomum que não tinha percebido por causa do cansaço[ a escuridão é uma forma de tato ], mas que já se arrumaria para sair. chá e banho [ sim, já vou ]. de um modo estranho, lembrou como ele tocava seus ombros [ se eu chorar, deixa ]. suas mãos ficaram inquietas, insatisfeitas. foi pegar uma caixa sem dizeres do armário [ esse arranhão na tampa diz que é tão viva e frágil quanto eu, que de um golpe pode ser arremessada para alguma garganta muda ou simplesmente pode ser aniquilada com as leis do perecivel ]. colocou com cuidado sobre a cama, mesmo sabendo que seu desejo era arrumar a bagunça de dentro [ você bem que poderia usar seus poderes e me encantar com as qualidades de quem tem o caos como sol ]. abriu. seu coração tocava caixa acústica de seu peito [ para sentir sua respiração ]. dentro havia bilhetes, papéis de bala, fotografias pb, [ postais, cartas, rótulo de cerveja ], cardeneta, pulseira, poema, [passagem, contra-vale, planos], perfume, elástico de cabelo, pente de barba, caneca, dicionário de palavras inventadas a dois [ amavios, amavios são o meio de transporte que me resgata desses bairros frios. são velozes como o metrô e leves como os monomotores. por que você não veio me buscar ?].

boooooooooooooooooooooooooo! levou um susto [ esse espelho deixa meus cabelos longos demais para mim ]. olhou com firmeza para sua imagem. seus olhos eram brilhantes e não era umidade. a falta foi virando saudade, assim como a tristeza foi virando sorriso. não sabia esquecer. mas também não sabia viver sem ela mesma [ ainda reservo muitos pensamentos para você porque você é quem mais amo ]. recolheu com delicadeza todos esses objetos falidos de dois e lhe deu o lugar da gaveta do meio. [ ainda que eu saiba bem dizer o que sinto, nada me fará enxergar mais do que está contido nesses desejos].

pegou uma caneta de ponta fina, fez pressão na ponta dos dedos, deixou a tinta deslizar sobre um papel para lhe dar forma de bilhete [ para sentir minha respiração ].