a million parachutes

for us

10 novembro 2004

ana,

esses dias pensei na cremosidade do mundo, o que é bastante estranho para quem sempre o viu áspero e com alguma solidez. não que eu veja paredes de concreto com algum sabor cítrico ou que considere as nuvens realmente comestíveis, mas foi um jeito que desemboquei para ver o mundo diferente. descobri recentemente esse tal creme de papaia que adorei.

não sei por que lhe escrevo isso, ana. acho que ando percebendo em suas cartas um pouco de melancolia, talvez dor silenciosa. e o que me veio a mente foi um mundo diferente, algo mais ameno que você pudesse enxergar e ser um pouco feliz. o que é a vastidão de fora quando a vastidão de dentro anda nublado? eu não vi o que você viu, ana. e talvez nunca veja. mas sei que sua vastidão é daquelas cremosas. cheias de nuances e que age como arrebatamento para muita gente, inclusive para mim.

a nossa casa está aí. não julgue pelas ruínas ou despreparo ou mesmo pelo desencantamento. suas paredes são invisíveis, é preciso enxergar e não se deixar enxergar. no cabo da vassoura rica, no tênis confortável, na ponte extensa, no espelho refratário. as chuvas, por mais ameaçadores que sejam, dirão quase sempre que tudo passa. até a casa passou, se for pensar - sei que a circunstância está avessa ao pensamento e despensamento. mas virão outras, com outras tonalidades e sons, telhas modernas e talvez um daqueles aparelhos de captação de energia solar.

sei que o tempo não é alegrias ou festas. no jardim só há cenouras e todos sabem como não gosto de cenouras. mas mostraram-me como fazer um bolo de cenoura que não tem gosto de cenoura. e com algum creme por cima, o bolo de cenoura acaba sendo ainda melhor.

cuide-se, ana. de verdade.

márcio