:: retrospectiva _ os anjos
aparecida era uma anja, mas não parecia uma.
andava de golinha em vodka e não dizia quem estava em sua guarda. comprava revistas de moda e dizia que nada daquilo tinha a ver com anjos. seus caracóis eram irritadiços, armavam-se para cima feito chifres, mas jurava que era coisa de nosso senhor. apesar de ter um corpo médio, era dona de mãos extremamente delicadas que não representavam a vida dura que levava de empregada doméstica. por isso que todos acreditavam em sua anjelicalidade.
dificilmente usava branco. gostava dos tenis coloridos e tinha coleção de meias que comprava semanalmente no largo da concórdia. às vezes, olhava pro céu, meio desiludida por não terem vindo buscá-la ainda. olhava para as meninas que acreditavam e dizia:
-- há muito para fazer nesta terra nefasta! vão estudar, suas vadias!
e soltava gargalhadas contagiantes. as meninas nunca revelaram de onde aprendiam tantas palavras deselegantes, mas aparecida também nunca contava onde a maioria encontrava seus namorados. era um criatura estranha. quando hesitava em jogar futebol (era goleira de primeira) dizia que iria cuidar de suas asas e descansar. já fazia um tempo que aparecida não andava tão entusiasmada, até os palavrões deixou de usar. todos pensaram que foi o namorado bandido que a largou.
-- nem. foi eu que larguei, eu sou anja, eu posso fazer isso sem me machucar.
e foi num dia como hoje que aparecida sumiu. fazia um eclipse lunar, todas as garotas preparavam para assistir e fazer um relatório para a aula de ciências. aparecida fez sucos e sanduíches. e foi dormir. no dia seguinte, já não estava mais lá no seu quarto. suas roupas também não. um bilhete: o eclipse me levará.
procuraram por muito tempo, mas nada. disseram que voltou para casa. mas ela nunca disse onde era sua casa. então o telefone toca:
-- voltei!
era aparecida. disse que estava por aí, tentando ser anjo. as meninas reconheceram mas não acreditaram. anjos não existem.
(maio de 2003)
aparecida era uma anja, mas não parecia uma.
andava de golinha em vodka e não dizia quem estava em sua guarda. comprava revistas de moda e dizia que nada daquilo tinha a ver com anjos. seus caracóis eram irritadiços, armavam-se para cima feito chifres, mas jurava que era coisa de nosso senhor. apesar de ter um corpo médio, era dona de mãos extremamente delicadas que não representavam a vida dura que levava de empregada doméstica. por isso que todos acreditavam em sua anjelicalidade.
dificilmente usava branco. gostava dos tenis coloridos e tinha coleção de meias que comprava semanalmente no largo da concórdia. às vezes, olhava pro céu, meio desiludida por não terem vindo buscá-la ainda. olhava para as meninas que acreditavam e dizia:
-- há muito para fazer nesta terra nefasta! vão estudar, suas vadias!
e soltava gargalhadas contagiantes. as meninas nunca revelaram de onde aprendiam tantas palavras deselegantes, mas aparecida também nunca contava onde a maioria encontrava seus namorados. era um criatura estranha. quando hesitava em jogar futebol (era goleira de primeira) dizia que iria cuidar de suas asas e descansar. já fazia um tempo que aparecida não andava tão entusiasmada, até os palavrões deixou de usar. todos pensaram que foi o namorado bandido que a largou.
-- nem. foi eu que larguei, eu sou anja, eu posso fazer isso sem me machucar.
e foi num dia como hoje que aparecida sumiu. fazia um eclipse lunar, todas as garotas preparavam para assistir e fazer um relatório para a aula de ciências. aparecida fez sucos e sanduíches. e foi dormir. no dia seguinte, já não estava mais lá no seu quarto. suas roupas também não. um bilhete: o eclipse me levará.
procuraram por muito tempo, mas nada. disseram que voltou para casa. mas ela nunca disse onde era sua casa. então o telefone toca:
-- voltei!
era aparecida. disse que estava por aí, tentando ser anjo. as meninas reconheceram mas não acreditaram. anjos não existem.
(maio de 2003)
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