a million parachutes

for us

08 maio 2003



:: as músicas que quero dançar com você _ ouça

você prepara a sua festa, sra. dalloway, a sua vida é um eterno preparar de festa. se me viro, lá está você cuidando de seus detalhes, com ternura (1)e insistência de tempos. se me volto, você não volta. continua seu processo. as bebidas levemente doces, os salgados sem fritura e as cadeiras, se estão de agrado. é um cuidado como se nunca estivesse pronto, como se sempre faltasse algo, talvez na big band faltem trompetes -- como se um já não fosse o bastante. nunca é o suficiente para que comece a sua festa, sra. dalloway, nem os convite mandou imprimir porque se os tivesse feito não teria volta. calmante como a calma fosse o ingrediente fundalmental. e se a calma não for calma, mas medo de que seus convidados não gostem de sua festa? estou inquieto, a noite parece longa e eu espero que você se desocupe de suas outras tarefas para que dance comigo.

de la para cá, de cá para lá. numa correria sem sentido. cada vez que sinto a proximidade (2), mais fugidia pareço te reconhecer. vai se esquecendo de mim, eu também me distraio com outras atividades. o piano sendo afinado, cada nota que se assemelha as músicas que vão ser tocadas e você percebendo o inevitável de acolher a festa e seus convidados. a cada nota que se afina, vou riscando dessa lista de músicas que quero dançar com você algumas que me parecem impossíveis. tão próximas foram, e você, sra. dalloway, tão próxima vejo elas sendo perdidas para outras festas se estas vierem algum dia.

e como acaba essa história? (3) não sei. o florista a chama e o maestro diz que a acústica desse salão não é boa. vim lhe ser útil e fico aqui sentado, não sabendo o que fazer. talvez se importasse menos com os aborrecimentos dessa festa, deixaria para outros os serviços mais maçantes e cuidaria de si mesma. mas prefere se virar e esquecer essas reflexões que elas só fazem atrapalhar. atrapalho?

fico pensando se tenho sido bom para você (4). se tenho sido conveniente escrevendo essas coisas. sentimental. é o que me faz estar aqui. mesmo que ache que essa festa só lhe traga aborrecimento e pensamentos maçantes. tenho essa lista e acho que acabarei não dançando (5). não dançarei. sim, eu tenho medo também. tenho medo de dançar tão descompassadamente como se afrontasse a toda essa dedicação tola que você tem por essa festa. e mesmo que concorde com você que colocando a pista de dança lá fora para privilegiar as estrelas e não seus convidados seja uma boa idéia, não dançarei! tudo bem, não faça essa cara.

imagino em sua festa belos romances iniciados (6). outros tantos engenhosos e engraçados. uma big-band para que todos dancem, porque sua festa é sempre para os outros. as justificativas são sempre os outros. nunca é sua. que belas luzes coloridas e que tapeçarias, sra. dalloway, tudo para que todos possam se sentir reconfortados de si mesmos.

nesses tempos para cá, sempre acho que estamos desentendidos. cada vez falamos coisas diferentes (7). ou falamos coisas parecidas, mas com sentidos diferente. ou tentando acreditar nas mesmas coisas, mas no fundo temos outras coisas para acreditar. se estou disposto? sim, por que não? estou disposto em deixar minhas gírias para falar as suas, se você começar a realmente dizer as suas. você diz que vai deixar essa festa para fazer outras festas. para ir em outras festas desconhecidas, entrar de bicão, fingindo ser amiga do dono. posso ir junto.

é um dia lindo mesmo (8). você já foge do assunto. mesmo que chova, mesmo que pouca gente venha, a sua festa está começando. as pessoas estão chegando e você não tem mais nada que preparar. aí está. é um dia agradável. a temperatura amena. e você esperando o inevitável é uma imagem difícil de não se ater. olha para o portão, perdendo-se. o dia tem sido agradável mesmo, estar ao seu lado. a banda já começa a tocar. já há muitas pessoas. vou-me perdendo nesta imagem sua, amável. mas você vai, o seu dever de anfitriã a chama.

por favor, sr. trompetista, deixe o solo de summertime (9).

sra. dalloway, você tem tanta coisa com que se orgulhar, o trabalho lhe rende convivas, seus amigos a amam, profundamente. por que a tristeza, por que essa tristeza escondida em finas estampas coloridas? não me diga adeus, parece me dizer adeus, outros tempos virão, se é por isso que me diz adeus, não diga. você amanhecerá e terá destroçado meu coração (10). mas o trompetista é uma pessoa amiga e combinou com a sua big-band para que tocassem que até corações urbanos e machucados possam dançar. sim, dançarei com você até que se satisfaça. depois, podemos andar um pouco pela cidade (11), não é londres, não é san francisco... são paulo oprimi. mas quantas pessoas já a fizeram linda só por ser a morada de quem se ama?

o nosso amor ficará aqui (12). mesmo que suas festas sejam em outros lugares. amanhã nem se lembrará e já é quase amanhã. as pessoas se divertem, sua festa está sendo um sucesso. percebe? é preciso abrir os olhos. sua festa acaba, sua festa precisa acabar para serem feitas outras. outros sonhos (13) precisam ser vividos. amenos como você sempre quis que sua festa fosse.

estou exausto. todos parecem rir de mim (14) que não me levantei dessa cadeira. minha lista fica cada vez mais pequena. não consigo deixar de enxergar uma outra festa além dessa que vejo. não consigo ver que ainda, sra. dalloway, suas preocupações banais te possuem deveras que não possa deixá-la mais desocupada. a festa vai acabando e com ela vem uma tristeza (15) de fim. as mesas começam a se esvaziar, a pista. há um alivio de estar só, mas há um angústia de não ter feito direito. e a lembrança vai apoderando você, prevendo que a festa não acaba até que comece de fato outra.

o que se há de fazer? preparo-me para ir embora também. amasso o papel em que as músicas que quero dançar com você estavam escritas. o trompetista sorri "fica para a próxima", concordo com um outro sorriso. vou me despedir:

-- mas não vai dançar comigo? você diz.

surpreendo-me. você sinaliza algo para o trompetista e todos retomam seu instrumentos e começamos a dançar. não consigo dizer o que meu coração quer expressar (16). a mesma felicidade fugidia que vi no começo da festa, está em mim, prestes a fugir. acho que posso amar todo o mundo. a música vai acabando...

-- hey, louis.
-- hey, ella.

playlist:

1. tenderly
2. the nearness of you
3. can't we be friends
4. gee baby i ain't good to you
5. i won't dance
6. a fine romance
7. let's call the whole things off
8. isn't a lovely day
9. summertime
10. until you break my heart
11. foggy day
12. our love is here to stay
13. dream a little dream of me
14. they all laughed
15. learnin' the blues
16. cheek to cheek