a million parachutes

for us

25 julho 2006

:: the end of the day

o dia acabou. ela vai embora e não há frase que diga ou divida que pague que a faça mudar de idéia. enquanto você a sabota refazendo as dobras das roupas de forma não producente, ela reclama do novo formato das apresentações dos videos da mtv. neste momento ocorre a você uma saudade inesperada do tempo em que os clipes eram feitos de forma ingênua e ambos eram também. tanto que hoje qualquer coisa que não soe cinematográfico com seus superrealismos merece risada de desprezo. por que tanto desprezo? você se pergunta. mas esta não é o tipo de pergunta que se faz quando o dia acaba e a pessoa com quem conviveu durante 3 meses está indo embora. você se dá conta da falta de coerência que ela notará ao ver as dobras das roupas feitas com tanta imprecisão. você que sempre foi tão preciso com decimais, virgulas, pontos e unidades de medida.

a janela aberta é para ouvir o táxi solicitado e impedir que o motorista toque a campainha do apartamento errado. você poderia tê-la convencido da bobagem que é dizer um número de apartamento quando na campainha diz outro. mas como desafiá-la se o desejo sempre foi viver no apartamento 12 de um prédio qualquer? quando ela coloca algo naquela cabeça desmiolada, não há como contrariar. seria um crime cruel repudiar a liberdade que emana pelos poros dela e que você, por ser tão preciso, sabe a medida da sua própria limitação.

dentro da mala dela, você ainda troca a maconha por analgésicos contra ressacas mesmo sabendo que em algum momento, quando ela tiver a oportunidade de fugir para um banheiro, chamará você de filho da puta assim como ela não lembrará que não havia sido ela quem guardou os analgésicos. e você ainda guardará os papelotes em uma gaveta qualquer esperando que a validade acabe.

o táxi chega. você corre para avisar o motorista, mas ele foi mais rápido. você pede desculpas para a senhora que aparece na janela ao lado. a do apartamento 12.

dois braços o pegam pelas costas e formam um abraço. você se vira com alguma resistência, mas com um movimento de omoplata ela pede e você a abraça com uma ternura que ela nunca percebeu antes. ela pega as malas e parte. e você acena o adeus ensaiado dos filmes.

você se senta para assistir a tv. abaixa o volume. o dia acabou. aos poucos sua concentração toma a casa e você se pergunta se é a sua ou a campainha da vizinha que tocará primeiro.