a million parachutes

for us

29 novembro 2004

:: Pedra, tesoura, papel.



Ajoelhou-se um instante, curvado. Depois levantou, fez uma reverência com a cabeça, e pulou. Estava de terno, gravata e sapatos. Parecia muito jovem, com uma silhueta reta, a prumo. De longe, não deu para ouvir o barulho do corpo caindo na água. Só alguns minutos depois a sirene dos bombeiros. Mais um suicida, afogado no rio Tsurumi. O relógio marcava quatro horas.

Que coisa horrível, ela disse, arregalando os grandes olhos redondos. Não, respondeu Ichiro. Olha que doçura o leito largo, corrente, cheio de barcos, gente pescando. Tentava convencê-la, mostrando a fotografia. À toa. Porque a alegria do Tsurumi não se comunicava. Onde? Não vejo nada disso, só melancolia, lonjura e um céu acabrunhado. Ao que ele mais defendeu. Nem tudo está na foto, mas é assim que é: lindo. E mórbido, insistiu a amiga.

Haviam se reencontrado por acaso, na festa do amigo de um amigo etc e tal. Bem na hora em que ela soltava as tranças compridas, escondendo o pescoço debaixo de umas mechas rubro-negras. Era um sinal e uma provocação. As mulheres japonesas, ele pensou, conhecem 300 maneiras diferentes de prender os cabelos.

O que mais aconteceu? Ela queria saber detalhes. Mais nada. Fiz a foto, fui para casa buscar a bagagem, peguei o vôo Yokohama/São Paulo e voltei para o Brasil, curado de você. Mentiroso. Ichiro ficou rijo, faca enfiada no orgulho. Pois eu não sarei nunca, ela choramingou. Agora, sim, era mentira. E mesmo que não fosse. As mãos ignoraram tudo, e se pegaram vazias, sozinhas, morrendo de vontade. Ainda de leve. Você é doida, egoísta e vaidosa, que nem essa cidade, ele gemeu. Porque a alma dele era grave, ela achava só divertido. Pedra, tesoura, papel. Jogavam e riam.

Ichiro pressentiu a fossa abissal, desde que os olhos dela não desgrudaram os dele, encarando, antipáticos. Ou debochados? Ou amorosos? Detestava aquilo, o costume geral de olhar na cara. A vontade era perguntar: 'tá olhando o que? Mas confusões culturais, semânticas, idiomáticas, tanto tempo equilibrando a dupla nacionalidade, dupla realidade, pesos, medidas e caligrafias diferentes...o que saiu foi: você quer me levar para a sua casa? Ela aproximou o corpo. E quis.

Estiveram quietos durante o caminho. Que agonia, ela reclamou, enquanto abria a porta. Você continua igual, calado nesse silêncio superior de quem esconde o que pensa. Odeio isso. Pois Ichiro quis falar, depressa precisava falar, qualquer coisa. Por exemplo, fui dispensado do exército. Que bom. É bom, ele concordou, muito bom, mas adivinha por que? Pé chato, joanete, disritmia, pistolão, diabetes. Não, não servi porque sou japonês. Ah, isso foi muita diplomacia das forças, ela brincou. Racismo, ele esclareceu. A Macunaíma e Mishima, beberam e brindaram. Ele pediu para conhecer a cozinha e improvisou um caldo especial, receita antiga, energizante. Não sei cozinhar, ela avisou. E ele também não tinha esquecido o que ainda era evidente no sortimento medíocre de temperos. Sentiu-se protetor.

Tomaram a sopa, ficaram bêbados e não viram mais nada. Os dedos se atacaram de novo, frenéticos, pedra, tesoura, papel, comendo-se no quebra, corta, cobre, esquecidos das diferenças. Depois os braços, as bocas, as pernas em plena subversão geopolítica. A ásia fazia tremer o atlântico, enquanto o pacífico partia em arquipélagos, vulcões e tsunamis toda a floresta da américa latina. Metidos um no outro, feito o suicida dentro do rio, ou vice-versa.

De manhã, Ichiro cochichou pra ela: o coração das mulheres é céu de outono. Limpo? Não, amistoso, mas sujeito a tufões. Abraçada nele, ela pediu. Você me dá a foto? Que foto? Aquela, do Tsurumi, onde o sujeito se jogou. Por que? Porque você parece um rio, de uma cidade remota, onde as pessoas brincam e se matam, muito longe. Outras vezes, está mais para afogado e até parece realmente um brasileiro. Dá ou não dá? Não dou, que o rio é meu. Ela duvidou. É sério. Não acredito, Ichiro, não acredito que você não vai me dar essa foto. Não vou. Então pode ir embora. Ele riu. Ela levantou da cama para o chuveiro. Ele foi na padaria, trouxe o pão, fez o café. Ela ainda fechada no banheiro. Ichiro pôs a mesa e enfeitou um copo longo com uma complicada rosa de papel, construída meticulosamente com guardanapos dobrados. Ela demorava. Mais tempo do que o normal. E ele começou a sofrer. A ficar sem graça. Deslocado. Um medo sutil. Os próprios sapatos se mostravam muito pequenos, o peito largo demais, o nariz pouco incisivo, os olhos... tão diferentes dos olhos dela. Lutava para estar à vontade. A casa ganhava ares estrangeiros, de outra civilização. Ele rastreava os detalhes, os objetos, na garganta um sentimento natural encharcando os afluentes exóticos. Vontade de ir embora e de ficar. Teve a certeza, num instante, de que ela não ia aparecer. Só quando ouvisse ranger o portão, o sininho dos ventos, o cachorro do vizinho. Devia estar fumando, sentada no ladrilho, esperando a deixa. Exatamente como da outra vez, mesmo que não houvesse mais sininho, nem cachorro, nem vizinho.

Quando Ichiro abriu a porta do banheiro, ela batia as cinzas dentro do bidê, conferindo o relógio. Encarou a amiga de frente, segurando o olhar como faziam as pessoas e ele, francamente, achava horrível, agressivo e invasor. Ela abaixou a cabeça, sem explicações além do próprio vazio, incomunicável narciso, margem oposta, detonada e sem salvação. À mostra, a penugem da nuca, mas nem isso adiantou. Você ia me deixar lá esperando pra sempre, por que?, ele perguntou, de raiva. Porque. Só porque. E era um jeito próprio dela, de dizer: é assim mesmo que eu sou.

Não foi pé chato, joanete, disritmia, pistolão, nem diabetes. Algumas assimetrias, um quase nada, vai que os fusos horários, oriente, ocidente, alguma falta de diplomacia. Foi o que ele viu. Da vez anterior, quando ela fez isso, Ichiro quase morreu de dor. Agora a alma passeava com modos de origami pela loucura e o perdão dos trópicos. Desdobrável, ia se reinventando, reerguendo e construindo -- garça, raposa, qualquer dia, dragão.

Saiu na rua e era como se bordejasse, atado às costas de uma enorme tartaruga marinha, a mesma que carregou uma vez um pescador para ser imortal no fundo do mar, na condição de para sempre se guardar submerso. Fábula contada e recontada desde criança. Contra os males daquela e doutras pandoras metropolitanas, ele se reservava, oh infinita paciência, o segredo do pescador Urashima: o tempo, com todos os segundos e anos e séculos que iam devorar um a um aqueles cabelos compridos. Andava e ia se acostumando, refluindo entre as marginais, com a foto do Tsurumi no bolso, o Tietê a seus pés e a alma perfumada de cerejeiras em flor.

verônica couto
nov./2004

Esse texto foi escrito pela verônica a partir da foto acima que tirei em 97 quando estava no Japão. Achei o texto lindo, apesar de apontamentos do João Silvério Trevisan sobre um certo "racismo". Ela não fez por mal, é claro. A sensibilidade do texto, para mim, supera tudo isso.
:: post it - para eu lembrar sempre

"estamos falando de sentimento mais claramente
e talvez a gente consiga entender nossas distâncias e consiga tranformar isso
talvez a gente converta isso a nosso favor
e não haverá nenhuma tristeza nos teus textos e nenhuma mágoa nos meus"

28 novembro 2004

:: solução

hoje eu vi uma mulher sentada no ponto de ônibus. tinha uma tristeza tão profunda e pesada que tirava ela de qualquer contato ao seu redor. era como se a tivessem mal colado sobre uma paisagem estranha e ela só esperava que sua figura caísse levada pela gravidade natural.

parecia que não tinha solução.
:: letras

estou into para a fuvest. desejem-me sorte!

27 novembro 2004

:: lost

não que eu prepare um café só para mim. e que remende histórias procurando alguém que possa me amar. se amo tanto e não sou correspondido é um pouco de falta de tato e sorte. o fato é que eu vou perdendo um pouco os ares e vou desistindo lentamente. uma ou outra vez, acredito um pouco que há alguém lá fora que me fará surpresas e precisará de mim de um modo que ninguém mais pode.

mas precisar não é amar.

então vou deixando meus pedaços por aí, saliva na xícara de café. todo dia, me desfaço um pouco e deixo o restante colorido para que as pessoas percebam menos. não guardo mágoas, só a tristeza do desiquilibrio entre amar e ser amado.

por conta disso, meus planos começaram a ficar rarefeitos. e cada dia que passa tenho essa impressão que apesar de resistir (porque é a única coisa que sei fazer um pouco bem) chegará um dia em que não restará muita coisa para se dizer história.

e aí poderão lavar a xícara de café e dar a alguém que lhe faça um uso menos solitário.

:: citação

"e aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam..." . (shakespeare)

26 novembro 2004

:: cry me a river

quando você chora, pode não parecer, mas eu choro também.

25 novembro 2004

:: festival de choro no centro cultural são paulo

amigos,

há algum tempo trabalho desenvolvendo uma web radio para o centro cultural são paulo. Tarefa árdua e dificil dentro das possibilidades limitadas se comparadas aos da universidade. mas o acervo e as atividades do ccsp, além de ânimo, deram-nos uma lição de perseverança e sabedoria.

o choro, gênero que possui mtas contradições e legitimamente brasileiro, foi escolhido (ou nos escolheu) como tema do nosso primeiro grande evento. transmistiremos dois shows com os grupos "moderna tradição" e "izaías e seus chorões" direto da sala adoniran barbosa do ccsp. o show terá uma parte radiofônica em que serâo contadas particularidades desse gênero que influenciou toda mpb hoje tão conhecida.

no site da rádio (www.centrocultural.sp.gov.br clique no ícone da rádio) fizemos um especial com programas temáticos sobre o gênero e um panorama sobre os grupos que atuam no cenário artístico paulista.

para quem mora em são paulo, convido a assistir in loco a apresentação que acontecerá na sexta 26 (moderna tradição) e no sábado 27 (seu izaías e seus chorões), às 19h, com entrada grátis (retirar uma hora antes). rua vergueiro, 1000 (metrô vergueiro).

para quem não mora em sampa, ouça ao vivo através do link no site da Web Radio.

ficarei mto feliz de vê-los lá para esse nosso último evento da rádio, nesse ano, e talvez o meu último no cccsp.

abs

márcio yonamine

24 novembro 2004

:: janelas paralelas

querida,

andei bastante na tarde passada. observava o quanto podia os lugares onde residirá o nosso café.

visitando uma amiga, ocorreu-me algo importante. o apartamento dela possui 3 vistas, assim quando abrimos 2 janelas de paredes paralelas, o vento corre o apartamento, corrente de ar.

talvez seja bom que o nosso café tenha janelas em paredes paralelas, assim se o ar se estagnar, abriremos as duas juntas e o vento levará o que nos entristece. os clientes podem se aborrecer, mas é só desviá-los da corrente.

no apartemento de minha amiga, com as janelas abertas, senti algo que me atravessava e achei que era você.

22 novembro 2004

:: caixa de ressonância

o que há em mim ressoa ao calor das outras pessoas.
:: pensando em ti

ela acordou cedo. não precisava ter acordado cedo. pensou em voltar a dormir. sentiu um friozinho da madrugada, mas já fazia um pouco de sol. ajeitou as cobertas, acomodou o travesseiro. queria dormir, mas já estava disperta. eram 5 da manhã, fazia silêncio. era a única acordada, era a única.

levantou-se e foi ao banheiro honrar com compromissos. fez xixi, escovou os dentes, olhou para o espelho e ajeito o que podia ser ajeitado. era outro dia, mas a casa estava silenciosa. era como se estivesse num mundo paralelo, havia uma paz soberana. imaginou que o dia inteiro podia ser assim: como se o outro mundo, o real, pudesse ter acabado.

pensou na comodida da cama, mas resolveu ir para o escritório. na solidão do fim da madrugada, queria escrever uma carta, mensagem de que estava tudo bem. que apesar de tudo, passaria o café e faria torradas. e mais tarde, iria passear pela vizinhança e vencendo o bairro, iria para o centro e talvez passasse o final do dia na praia. queria dizer que estava confusa, que, se fosse possível, tirassem-lhe as decisões importantes. o dia tem muitas faces. a carta chegaria por certo ao seu mundo real. talvez muito mais cedo.

o sol já perdia seu laranja para se tornar luz invisível. ela olhou pela janela a cidade que deixava de silenciar. pensou que alguns minutos mais com o seu café não fariam mal ao sono que se daria daqui a pouco. o seu coração batia devagar, recusava-se a acompanhar o inicio do dia. terminou o café e foi se deitar. pensou em mais 3 ou 4 linhas para a carta que não será enviada. sabia que ao dormir, acordaria em outro dia mesmo que o calendário dissesse que não. pensou no destinatário de sua carta e não se importou: era num dia como esse de batida lenta e frio que ela o reconheceu.

21 novembro 2004

:: coralina

talvez sejamos o contento de alegria em sorriso alheio, porque nós mesmos não nos contemos.

20 novembro 2004

:: solidão

tem dias em que eu acho que a solidão me matará.

aos poucos,
envenenando com idéias amalucadas
o meu coração machucado.

com um susto,
um ataque surpresa,
misericordiosa para que eu não sinta muita dor.

a marretadas,
já complacente da dureza
que o coração anda adquirindo.

a solidão me esmagará
em seu abraço de conforto e resignação.

e recolherá todas as anotações
que fiz para que ela se fosse;
notas sobre sua companhia;
letras de sua semi-autoria.

vai separar o que lhe é novo
e o que já foi dito.
se achará ainda mais bela
e aprenderá a se mover,
a se confundir na paisagem,
e se chamará cidade,
aquário,
sopa instantânea,
email,
canção antiga,
livro perdido na estante,
filme gravado da tevê,
ingresso impar de show,
carta abortada.

e escreverá uma nota nos jornais das solidões
sobre como lhe fui bom dando abrigo,
comida, roupa lavada, motivos para ficar.

e só as solidões alheias lerão
para se informar do endereço
do bazar de garagem em que serão vendidos
os amores que nunca foram meus.

a solidão espreita a minha culpa
que diz sim.

19 novembro 2004

:: friday night and the lights are low

... comenta-se que os anjos tiram folga; que vão para um buteco beber e falar besteiras. e que papeamos com eles nas baladas sem saber que são anjos. e eles, sem saber que somos seres humanos.
:: elogio

"você é bem didático."
:: te procuro, onde estás ?

pediram alguma explicação do nosso café, fui te procurar. porque não sou bom para falar e teu sotaque é nosso charme.
:: on the sentimental side

se você se esqueceu de ensaiar
um jeito de me dizer por que está sempre tão próxima,
fale sobre o tempo, as novas cores e os programas de tevê,
mas fale baixo, perto do ouvido, como só assim eu entendesse.
eu nunca vou entender bem.

sou desses que acha que não diz o suficiente,
ou que não encontra a melhor representação
do que atravessa o coração e o que o coração refrata.

e você nem precisa ser sentimental,
porque todo sentimento há em se estar ao lado
quando não há muito o que entender.

17 novembro 2004

:: some sad song

não ouça essas canções tristes.
você tem uma boa chance de ser feliz,
eu não tive tanta sorte.
se as dificuldades não tem solução,
invente outras menos perfeitas,
responda com outras perguntas e humor.
gostaria de ter tido as suas dificuldades,
eu saberia que as canções seriam de esperança,
e não canções tristes de uma saudade ingrata.
de uma falta que não existiu.

se ela me amou, não sei.
hoje não ama mais.
a minha vida é fácil,
não merece um canção.
:: heloísa

"me arrependo involuntariamente de qdo naum tenho medo... e em seguida, voluntariamente de qdo tenho..."

16 novembro 2004

:: when the lights down

quando as luzes se apagam, é em você, querida, que meus pensamentos se refugiam. e em você, eles aprendem os truques de luz e sombra que alentam o coração.
:: cia aérea

a diferença entre anjos e fadas são o tamanho da asa, a autonomia de vôo e a natureza dos sonhos.

15 novembro 2004

:: baby moon

ela saiu correndo para o banheiro e começou a vomitar. entre uma náusea e outra, ela tentava se recompor falando sobre amenidades. vai dar merda esse lance do bush. todo mundo está sabendo que o cara mentiu e mesmo assim o cara está aí. o blair é um sucker. a toalha do banheiro já estava manchada das vezes que ela tentou se limpar. escovava muitas vezes os dentes e passava desodorante aerosol. ela prendia o cabelo com uns grampos de vó. é pouco cabelo e curto. continuamos a conversar, enquanto ela se via no espelho. na verdade ela não via os detalhes do rosto: rimel, olheiras, sobrancelha torta, perfidia de um sorriso, bochechas saudáveis.

ela sabia que eu sabia. queria tocar em sua barriga e agir como se fosse verdade. mas o fato de eu não saber -- e descobrir aos poucos -- a agradava. olhei para o seu apartamento que não é grande e que provavelmente será abandonado por um maior assim que puder. eu já estava vendo cores diferentes no quarto e na dispensa. a sala estava inerte. não se sabia coisa alguma de quem está prestes a chegar.

uma criança chorava na rua. por um momento ela parou de falar. pensei que talvez fosse minha vez de começar algum assunto. mas ela foi até a janela e procurou. e foi o único sinal de uma procura sincera dentro de seus discursos e falas e vômitos. ela ameçou fechar a janela, dizia que estava sensível a mudanças bruscas de luminosidade. mas deixou aberta. e levando a toalha suja para o tanquinho me perguntou como foi o meu dia, ou melhor: a lua minha.
:: loud

as férias acabando e essa sensação de que não descansei.
:: ragtime i

ana espera alguém que a caíba; alguém que possa lhe dizer com alguma exatidão que o tempo de espera acabou. há alguém aí no mundo que possa dizer algo assim sem levantar dúvidas para a desconfiada ana?

porque alguém para ana tem que ter a simplicidade de saber que há mais perguntas que respostas. e ana gosta das perguntas certas. alguém que saiba tanto ter a dúvida quanto a responder com a pele. alguém que transfigure a palavra porque essa língua é traiçoeira. alguém que lhe faça dueto.

não precisa ter dinheiro; mas que não lhe aborreça com idéias de dividir a casa, embora ana saiba que ele frequentará sua casa, sofá, cama e cozinha. alguém que lhe tire esse ar de muitas anas para ser a ana bem amada. alguém que lhe respeite as inseguranças que ana não cansará de esconder.

alguém que ache divertido a ana menos divertida.

esse alguém ainda amará ana; como se ama uma perda que demorará a chegar. amará ana e deixará registrado nas coisas pequenas do dia: no preparo do café, na organização dos cds, nas toalhes que secam e na brincadeira de lhe trocar as meias. amará a ana irritada, mesmo irritadiço.

mas a ana que espera o amará? há alguém lá fora que saberá se o que ana ama é apenas a espera.

14 novembro 2004

:: it´s too hot for words

embora a sinceridade me comova, a verdade verdadeira não me diz respeito.

13 novembro 2004

:: cotton tail

a maciez da sua pele enxuga essas minhas dores do corpo.
e quando você se lava, não é de mim que se despede.
você trata a pele com abraços de urso e beijos estalados.
e eu penduro no varal o que ando sentindo por você
como se a sua maciez viesse de alguma evaporação
e não das noites tenras de saliva, atenção e algum suor.

no seu corpo eu improviso uma toalha
onde me deito e deixo me secar outras dores.
:: you can´t lose a broken heart

você não pode perder um coração partido,
porque só à noite torta das melancolias
ele pertence.
:: some other spring

a saliva na ponta do dedo é para sentir o vento e a temperatura.
ainda está frio, mas a vontade de estar de volta.
e quando lembramos de sorrisos e olhos cuidadosos?
é alguma primavera que quer acordar.

em alguma outra estação esse cansaço passa.
peças de roupa a menos, sucos por analgésicos,
óculos de sol, toalha umedecida e gelo.
quem volta traz flores. é época de levar flores.

não vai ser a dor que deixará a boca seca,
-- água para semeadura dos olhos --
é o jeito amoroso que se fala de outras primaveras.
:: razões para se apaixonar pela tereza



a janela que não se vê.



12 novembro 2004

:: newsletter

o nublado dos meus dias não é o nublado do coração.
mas que chove, chove forte.
:: o ano que chega dos nossos dias

se algum dia, assim por esmero, me reconhecer
enquanto caminha sua vida pelas ruas da cidade,
avise-me quem é e o que fez para saber quem sou.
porque quero lhe dar um carinho
de quem é grato por ainda estar andando por aí.

se os nossos dias passaram como estação e frutas,
se os nossos nomes já foram ditos com outros tons,
se a sua boca já conversou tão bem com a minha,
diga um oi como quem sabe do convite de café,
sorria um verso como quem diz que nunca esqueceu.

o ano que chega é véspera de beijo de outros dias.
você que venta é semente de setembros amenos.
se algum dia, assim por tristeza, me disser
que se esqueceu da grande parte dos nossos momentos,
acompanherei seus passos até que me reconheça.

11 novembro 2004

:: nariz

eu desenharia se soubesse
o que é um nariz.

:: baby, baby

boa sorte para você também.
:: o quarto de jacob

"parece, portanto, que os homens e mulheres falham igualmente. parece que não conhecemos em absoluto uma opinião profunda, imparcial e absolutamente justa sobre nossos próximos. ou somos homens, ou somos mulheres. ou somos frios, ou somos sentimentais. ou somos jovens, ou estamos envelhecendo.

em qualquer caso, a vida não é senão uma procissão de sombras, e sabe deus por que as abraçamos tão avidamente e as vemos partir com tal angústia, já que não passam de sombras."

virginia woolf

10 novembro 2004

:: na batuta do gato

galera,

para quem gosta de choro, está no ar o o festival "na batuta do gato" do centro cultural são paulo. tem muita coisa interessante: entrevistas e canjas com grupos de choro paulistas, programas especiais com pixinguinha e choro cantado. no final do mês ainda haverá transmissão ao vivo de 2 shows que acontecerão lá no centro cultural são paulo. para quem gosta é prato cheio, para quem não conhece é um boa iniciação.

p.s. pixinguinha e ernesto nazareh rule!
ana,

esses dias pensei na cremosidade do mundo, o que é bastante estranho para quem sempre o viu áspero e com alguma solidez. não que eu veja paredes de concreto com algum sabor cítrico ou que considere as nuvens realmente comestíveis, mas foi um jeito que desemboquei para ver o mundo diferente. descobri recentemente esse tal creme de papaia que adorei.

não sei por que lhe escrevo isso, ana. acho que ando percebendo em suas cartas um pouco de melancolia, talvez dor silenciosa. e o que me veio a mente foi um mundo diferente, algo mais ameno que você pudesse enxergar e ser um pouco feliz. o que é a vastidão de fora quando a vastidão de dentro anda nublado? eu não vi o que você viu, ana. e talvez nunca veja. mas sei que sua vastidão é daquelas cremosas. cheias de nuances e que age como arrebatamento para muita gente, inclusive para mim.

a nossa casa está aí. não julgue pelas ruínas ou despreparo ou mesmo pelo desencantamento. suas paredes são invisíveis, é preciso enxergar e não se deixar enxergar. no cabo da vassoura rica, no tênis confortável, na ponte extensa, no espelho refratário. as chuvas, por mais ameaçadores que sejam, dirão quase sempre que tudo passa. até a casa passou, se for pensar - sei que a circunstância está avessa ao pensamento e despensamento. mas virão outras, com outras tonalidades e sons, telhas modernas e talvez um daqueles aparelhos de captação de energia solar.

sei que o tempo não é alegrias ou festas. no jardim só há cenouras e todos sabem como não gosto de cenouras. mas mostraram-me como fazer um bolo de cenoura que não tem gosto de cenoura. e com algum creme por cima, o bolo de cenoura acaba sendo ainda melhor.

cuide-se, ana. de verdade.

márcio

08 novembro 2004

:: se

e se a noite vier
com seus ruídos temerosos;
e se o céu me arrebatar
em raios e radiação;
e se eu me perder
e perder a fé dos seus objetos;
e se faltar luz
e tinata e papel e carinho;
não importa mais.

e se eu desistir dos óculos
e das chaves novas da casa nova;
e se os emaranhado dos seus cabelos
se dissiparem em ferrugem e pó;
e se o ônibus se atrasar
e o cinema aumentar de preço;
o que me importa?

o medo de saber o que é a tremedeira da mão.
o plano de milhagens, a escolha das flores.
a vela que se apaga. a inutilidade das unhas.
pq tantas voltas esse ônibus dá em próprio eixo?
pq a luz da janela daquele prédio não se apaga?

e se os sinais nunca mais esverdearem;
e se não chover mais;
e se descobrirem a cura para o amor;
e se for a dor quem nos libertará;
o que importa é que não te condiciono.

07 novembro 2004

:: dreams

eu tenho sonhos, sabia?
mas todos findarão.

ou se concretizam em matéria e sentimento.
ou se extingüem em céu nublado de esquecimento.

por que sonhar?
não sei. não sei mesmo.

talvez porque nos dizem que é preciso.
talvez seja uma forma de suportar.
talvez seja um desses bons talvezes.

eu tenho sonhos.
mesmo que saiba que tem fim,
tenho sonhos para dizer sim.
:: polly jean

polly jean é uma mulher pequena. com nariz e lábios grandes. ela tem uma guitarra elétrica e alguma timidez de menina. ela fala coisas de amargura, mas diz sorrindo. um sorriso de muitos volts. é um golpe para a amargura, são como flocos doces intrigados no corpo triste.

alguém faz polly jean feliz.
:: está frio

está frio, mas eu deixo a janela aberta. entra uma luz difusa, cansada apesar da manhã. ouço pássaros arquitetando coros. está frio, mas eles continuam.

há mta coisa empacotada no meu quarto desde que resolvi arrumar. o caos habita somente alguns microcosmos: o canto da estante, uma ou outra gaveta, a caixa com cartas. mas o quarto em si obedece uma ordem que não conheço bem. parece o quarto de alguém que parte.

está frio, a luz difusa dá graças e legitima o quarto arrumado. e os pássaros não incomodam aquela que já partiu.

05 novembro 2004

:: sei lá

pra se entender
tem que se achar
que a vida não é só isso que se vê
é um pouco mais
que os olhos não conseguem perceber
e as mãos não ousam tocar
e os pés recusam pisar
sei lá, não sei.


(trecho de "sei lá, mangueria" de paulinho da viola e hermínio bello de carvalho)

04 novembro 2004

:: time.machine

estou começando um outro blog mais pessoal. é uma tentativa de anotação de coisas menos poéticas, talvez um diário. quem quiser ler essas coisas tolas, o endereço é esse:



p.s. o parachutes continua sim.
:: terezianas

todas as canetas falham.
são todas humanas.
os lápis não são árvores.

:: cheiro de brisa do mar

às vezes me pego com esse cheiro levemente salgado que paulicéia city teoricamente não tem. ele vem de algum confim que não se vê. sento-me em uma mesa, pensando no mar perdido. começa a chover, o cheiro vai se dissipando até que a cidade se revela com seu odor forte de metrópole, mesmo com a tentativa do jardim e sua terra molhada. penso em ti, querida. e na praia que não há.

levanto-me para tomar um banho para tirar um sal que não está em meu corpo, mas feliz da vida porque não vai sair do coração.

03 novembro 2004


desculpe, galera. aconteceram uns problemas que me deixaram muito triste. tenho mta coisa para publicar aqui. peguei um caderno da tereza e chorei de tão bonito que é. queria falar melhor, mas não está dando. um inferno astral antecipado. espero que passe. o mais rápido. espero muito que passe logo. volto assim que puder.

01 novembro 2004

:: loveless

querida, apareça.
de pantufas, de estrelas.
sussurrando véus
e despedançando faltas.
meus olhos andam secos,
cantam sedes,
querida,
cantam sedes.

pegue na minha mão,
narre as desventuras da manhã.
domingo é sono de preguiça,
segunda-feira doidivana.
trabalha muito, venha me ver.
vale tanto e tanta alegria há
em se mover no mesmo lugar?

querida, apareça.
cada dia que deixamos as pantufas debaixo da cama,
é um dia que nos falta algum amor.