a million parachutes

for us

30 setembro 2003

:: sheila

sheila vendia pastel na feira. sua alegria dava-lhe sustento. não havia quem não comprasse pelo menos pela simpatia. a sua patroa sempre lhe aumentava alguns reais o salário para que não tivesse idéias comunistas. vivia bem assim.

até que um acidente derramou o óleo quente pelo seu corpo. todos na feira ouviram seu grito. ficou um mês no hospital e dois anos em casa. desistiu da escola e de alguns amigos. ficava a tarde inteira vendo tv. de quando em quando, ameaçava voltar aos estudos, mas se perguntava para quê?

encontrei outro dia no metrô. não me reconheceu. usava roupas bonitas, provavelmente trabalhava num desses escritórios na paulista. procurei pelas cicatrizes e as encontrei no pescoço e em parte do braço. sorria, tentei reconhecer, mas não pude.

na baldeação, pegou o sentido contrário ao meu. provavelmente nunca mais vou vê-la. mas me ocorreu essa ferida serena: seu sorriso lindo, na minha memória cicatrizada.

29 setembro 2003

:: bruna mara

quero duvidar de algumas coisas, mas é difícil. a gente tenta se convencer segundo o que mais se tem por aí. generalidades. o que é normal. e quando não é, a gente se espanta fingindo porque no fundo quase sempre queremos as coisas oblíquas.

não sei quando volto a escrever aqui, então: feliz aniversário, bruna mara. não entendo essa sua insistência comigo, mas agradeço. estude muito aí nessa cidade de chuvas que aqui a gente tenta fazer chover. faz do coração brigada quente, faz da inteligência ternura confortante. amo seu cabelo curto, sua parede azul e sua felicidade de criança.
:: não pule

vou me jogando de prédios cada vez mais altos,
mais oníricos, cada vez menos carnais,
cada vez mais frios.
vou me tornando grão em atrito,
doença sendo amenizada,
palha com possibilidade de fogo,
morte inventada, vou me debruçando
no parapeito para quedas vistas.
vou me somatizando na noite absurda
contando histórias de um brasil inexistente.
o silêncio desesperador indicativo
de fim, final, cristal quebrado.
vou me jogando para cada vez mais cacos.
o medo da ausência,
volta mesma nos artifícios das liberdades,
ártifes liberdades.
vou me jogando,
no cojunto ardil
de ira e desespero
para o que se desfaz.
me desfez.
:: a velha casa

liguei para joana:

-- jo, a sua velha casa foi demolida.

fazia alguns meses que não conversávamos. havia visto a placa de vendida fazia umas duas semanas. naquela velha casa, eu ouvi as pancadas que ela levava do pai. também naquela casa vi o rosto de joana sorrir quando sua mãe voltou para casa, foi a única vez que percebi que estava feliz ao ver a mãe depois de ter fugido com outro.

naquela casa, joana me roubou um beijo. e ouvi o último suspiro de seu pai que teve pneumonia. também acompanhei o gabarito do vestibular que a levou embora.

-- jo?

-- agora não importa mais. chego na sexta, vamos pegar um cinema?

24 setembro 2003

:: van

querida amiga,

que este é o dia de seus anos. e nem foram tantos compartilhados. poucos ainda nesses tempos de trabalho e principio de futuro. mas não me esqueci; quase, mas não.

é um tempo de afastamento. mesmo que por momentos do dia paremos e pensemos nos artifícios e artimanhas para nos mantermos próximos. procuramos nas lembranças o principio fundador das várias amizades. lembro-me dos trabalhos da faculdade e ternura depositada em mim. eu retribuia com atenção e afeto. só o que sei.

e os anos vão se passando. você com esse otimismo natural quase essência; eu espantando-me quase sempre com isso. como está? vou bem? e você? vou bem também agora. e as conversas desenrolam-se e eu vou sempre me alegrando porque você é naturalmente assim.

muitas felicidades, querida amiga, devo-lhe muito. que os amigos a envolvam e nunca a deixem só. estarei aqui. telefone-me. te telefono. marquemos um cinema e almoços. assim vou te amando aos poucos, mas diariamente, como quem vive.

bjs

márcio

11 setembro 2003

:: fechado para balanço

conversei com algumas pessoas esses dias sobre esse blog. eu dizia que havia perdido alguma coisa, que os posts soavam meio difíceis e falsos. pensei que era um dos motivos para as pessoas visitarem menos. não sei bem. tive algumas críticas duras de monotemático e um pouco tedioso. com o triste já havia me acostumado. mas acho que agora é hora para dar uma pausa.

estava relendo os posts antigos, como evoluiram segundo o meu humor. gosto de ver como alguns temas chegaram a um ponto de inventividade que parece coisa de bêbado embora faça mais de um ano que não tome álcool. colunas que vão, colunas que chegam. sempre me ocorreu que esses escritos deveriam ter uma forte dose de realidade. mas sempre fui um cara de sonhos, diz a amiga do monotemático.

ando meio perdido mesmo. um pouco de falta de perspectiva. sinto que quebraram as minhas pernas. sempre tive a esperança de que com o tempo o parachutes ficasse engraçado. porque eu me lembro de uma época que eu ria de mim mesmo e com certo orgulho. mas cada dia que passa ele vai ficando mais triste e tenso. as pessoas reclamam: é muito extremo. e eu tento ficar quieto porque a única resposta que tenho é: sou assim.

quero repensar tudo que já fiz e os caminhos pelos quais optei. rever as renúncias e perceber melhor o tempo que passa. todos sugerem para viver o presente, meio sem ligar para as coisas. não consigo. não sou assim. me importo e ligo. se eu viver o presente sem ligar é como se um outro vivesse. não importa mesmo.

já comprei o manual da fuvest. vou prestar letras. não quero mais escrever por enquanto. me faz mal. quero me reencontrar com outros sonhadores. desses mortos, desses solitários, desses que não existem. quero poder olhar de novo para as pessoas e enxergar poesia. não sei se esse é o melhor caminho, mas é uma tentativa. já fizeram algo que parece que não tem nada a ver com o que você realmente quer? no final, pode dar certo. embora muita coisa indique que não.

eu realmente gostaria de ter escrito algo que pudesse expor de alguma forma o que está se passando na minha cabeça e as tempestades de meu coração. não porque quero me libertar ou porque acho bonitinho. mas porque quero dizer algo que pede para ser transbordado. sei que a literatura não é para isso. mas considero como alerta: não errem onde eu errei.

então, vou deixar o parachutes fechado para balanço. voltarei só com boas novas. pedi para a amiga do monotemático que desenvolvesse essas críticas e se ela cumprir a promessa, publico aqui. até lá, muitos muitos muitos bjs e abraços a todos que me visitam aqui. vou fazer a minha viagem e vou ter minha visão. correspondam-me por email. de quando em quando prometo responder bem.

10 setembro 2003

:: wisnik

show do wisniki: ótimo. letras lindas, melodias delicadas. baião e valsinhas. ele musicou um poema do drummond que me deu um califrio quando ouvi... um show em que me senti reencontrado. amores fortes mesmo que os amantes não sejam parafraseando chico e lobo. (ele fez uma música com palíndromos... simplesmente genial).

ANOITECER
Carlos Drummond de Andrade

É a hora em que o sino toca,
Mas aqui não há sinos;
Há somente buzinas,
Sirenes roucas, apitos
Aflitos, pungentes, trágicos,
Uivando escuro segredo;
Desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
Mas de há muito não há pássaros;
Só multidões compactas
Escorrendo exaustas
Como óleo
Que impregna o lajedo;
Desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
Mas o descanso vem tarde,
O corpo não pede sono,
Depois de tanto rodar;
Pede paz - morte - mergulho
No poço mais ermo e quedo,
Desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza,
Agasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo ?
É antes a hora dos corvos,
Bicando em mim, meu passado,
Meu futuro, meu degredo;
Desta hora sim,tenho medo.

p.s. tenho medo.
:: quem são

quem são essas pessoas
que sentem fome e furia
disfarçados em trapes e trupes
falando versões piratas
de línguas oficiais ?
quanta languidez há
em vender bugigangas
tolas, todovia,
para resistir ao cotidiano ?
vão sendo recriminados,
antebraços tatuados,
cicatriz na mão fraca
e antenas uhf.
essas pessoas constroem
postos de gasolinas
mas não usufruem da gasolina
a não ser para sua própria falência,
evitam a palavra morte
para não chamar mau agouro,
uma vez que a vida, diz a palavra,
é sua celebração.
vem... vem descomprir suas promessas
seus pressentimentos, ah...
o que resta de nós nesses rostos contrabandeados?
crimes de estelionato, escolas sem sonhos,
cada vez mais respostas exatas,
cada vez menos perguntas pessoais.
quem são essas pessoas que sonham
e continuam insistentemente em sonhar
em suas barracas, cargos públicos,
telefones celulares com diferentes toques,
feriado nublado, revista masculina,
oleodutos, manchas na pele,
recortes de jornal, hiphop com samba,
adesivo católico, feuerbach pixado
nas paredes do metrô?
quem são essas pessoas
que mantêm-se dignas
a nossa revelia?
e modificam o espaço
apenas com a práxis de sonhos menores ?
você percebe pouco
que a ousadia é uma necessidade
e que todas essas pessoas
são corajosas a seu modo.
o nariz sangrando,
demônios melancólicos e panfletários,
as solidões das grandes cidades
são muitas e diferentes.
e criminosos são so que prosperam esse mercado.
essas pessoas
que moram em bairros deformados,
fractal vindo de equação desigualitário.
e sabem muito bem sentir-se em casa
porque a casa é o mundo.

09 setembro 2003

:: para andréa na ocasião de seu aniversário

você é o tipo de pessoa desconfiada. colore pensando nas linhas monotônicas que definem o desenho. ouve canções de desespero desejando o intenso sem saber que desejar já é quase uma atitude extrema nos dias de hoje. a quem confiar o segredo de sua serenidade? a quem representar o fio da furia? eu tenho algumas idéias.

você sempre foi uma nuvem estranha. há dores e dolores. se há tantos idiotas no mundo, não me surpreende o fato de eu não perceber que há tanto em você. me sinto um idiota por ter demorado tanto para lhe dizer feliz aniversário, que te quero bem, que lamento o pouco tempo de nossa convivência mas que festejo nossos bens comuns.

muitas felicidades, déa.

07 setembro 2003

:: hearts and thoughts they fade... fade away.

você está longe
feito oscilação precipitando onda.
no ar abrasivo dessa cidade,
há essa falta de falta de ar sujo.
a geografia é uma questão de psiquê.

cosmopolitam-me à força.
falo línguas que morrem no meu uso instrumental.
digo frases feitas como se tivessem sido feitas por mim.
o mundo é inventado por legos coloridos e sem nuances.
tinjo o cabelo para parecer de outro planeta.

você está longe
e mais longe me sinto estrangeiro.
se você não pertence a lugar algum
como voltar então para casa?
a história começa quando enterramos nossos mortos
e termina quando nos tornamos seu agente.

meço os passos que falta para o horizonte,
e vou medindo compassado, feito música.
de longe, a música parece outra.
os caninos ruivam
e percebemos as grandes paredes através do eco.
você está longe e sinto saudades.

você está longe
reviravoltas e teletransporta-se para infinitos universos.
duplica-se e deixamos de ser reta para ser plano.
quanta infinidade existe num plano? oh, o infinito é suportado
somente quando somos infinito também:
você é longe.

06 setembro 2003

:: like dreamers do

dias difíceis. uma dor de cabeça constante. algumas preocupações. um vazio, grande e profundo. encontro tempo para fazer experiências com bolos. consegui uma antena uhf e posso ver algumas sitcoms. me deu uma vontade de fazer um cd, mas não sei para quem dar. dizem que a brasil2000 anda melhorando bastante e gasto mais com livros.

ando procurando, pelas esquinas, placas pci, caixa de som estourada, nuvens desfeitas em desejos rarefeitos, ando procurando algum motivo mesmo desimportante para continuar caminhando. de repente, escrever sempre foi uma saída -- ando lendo dostoievski a torto e a direito -- mas agora não é mais. as palavras não se revelam mais para mim. talvez seja eu quem não as quer ouvir, ou elas que me renegam pois como dizia dostoievski : para escrever é preciso sofrer.

é uma dificuldade a tal liberdade. uma manutenção cara e dolorida que às vezes nos põe em crises de identidade, ideologia, sentimentos, biscoitos e sucos artificiais. toda vez que toca radiohead eu peço por favor para parar. e quando não toca me pergunto por que as pessoas não se importam. a febre é natural, o antitérmico que não. poderia passar horas pensando em como cheguei até aqui. e muito mais horas pensando em como não cheguei lá. enumero os motivos prós e contras e concluo: isso realmente não importa.

já me convenci que o brasil pode dar certo. que existem pessoas capazes de fazer dar certo. a existência dessas pessoas já é algo certo. sorrio porque eu conheço muitos deles e mesmo que não tenha a garra, o otimismo, a perseverança e esse amor estranho que esses amigos - pois que são - possuem, eles me consideram um deles só por ter essa coisa que é difícil de manter também chamada esperança.

não sei o que posso dar a eles. acho que querem que eu faça o meu melhor nem que o meu melhor não chegue ao tanto que é necessário para melhorar de fato. dizem: os fatos estão aí, se acredita que sorrisos podem surgir em razão exponencial é porque você é tão metido quanto a gente. e eu digo: sim, gosto de sorrisos.

resisto mais um pouco ao remédio. ouço rádio, alguns vídeos de suspense. comecei a escrever um esboço do romance que há tanto tencionava escrever, embora já tenha uma outra idéia para um outro. darei o meu melhor neste primeiro porque é como me despedir -- e eu quero me despedir -- das faltas, dos exageros e de amar tanto assim.

assim que tiver um esboço mais apresentável publico neste blog. melhor: só posto quando tiver um capítulo apresentável. um desafio como diria a mariana.

dito isso, boa noite.

04 setembro 2003

:: separação

em vias de fato,
o que quero me subtrai.
há um caminho bifurcado
e cada vez menos te enxergo.
já sumiram teus cheiros por aqui
e mesmo que metade do meu tempo livre eu pense em você
a outra metada conspira cada vez menos por uma revolta.
vou me acostumar com seu desaparecimento
como quem esquece moda televisiva.
o homem esquerdo disse:"há de amar".
e eu desamando feito flor despetalando-se:
aos poucos, sereno e com razão.

eu sou o cara que escreve coisas pseudopoéticas,
falo pausado "a vida" e fraturamente ela está
avesso às epifânias, você horroriza-se
e eu ainda mais, por seu desprezo.
vamos nos desapegando.

eu nem escrevo coisas tão interessantes
e você nem precisa mesmo de alguém que escreva
coisas interessantes.

suspensos cada um com sua própria xícara de chá
as quais damos a cada um de nós um rumo.
esperando timidamente que deixem de se reencontrar,
até que de tão indiferente e esquecida
se consuma a separação.
te vejo por aí? não, não vê.


:: encontro

foi assim que se conheceram: com seu carrinho de vender café, ela tomou a rua para fugir das calçadas cheias da avenida celso garcia e deu de encontro com o trólebus que ele dirigia. ficaram nesse enfrentamento por quase um minuto. ela vexada por parar o trânsito e ele sorrindo do constrangimento dela.

02 setembro 2003

:: one i love _ see you soon

eu sei que você perdeu sua esperança
que anda por aí se esquecendo do que éramos.
o mundo como está parece justificar tantos desencontros
e nem nos incomodamos mais com equívocos
que se justificam por si só.
você fica tentando provar para si mesma
que para tudo há um porque razoável,
escrituras corretas de teorias ainda mais.
sempre vencendo a tudo e a todos
como se estivesse a prova a todo tempo.

eu fiquei assim triste,
mas te verei em breve.
assim, numa lente telescópica,
veremos as esperanças em pó e em estrelas.